Alfabetização: conceitos, metodologias e perspectivas segundo a BNCC

Artigos

Aprender a ler e a escrever é uma das condições para ter acesso e construir conhecimentos nas diferentes áreas do saber e participar de forma ativa da sociedade; saiba como se dá esse processo, o que ele envolve e as principais diretrizes da Base Nacional Comum Curricular sobre o tema

A alfabetização é uma das conquistas mais importantes e visíveis do processo educativo. Além de ser algo possível de ser acompanhado mais objetivamente pelas famílias e docentes, em relação a outros conhecimentos que são mais intangíveis, dominar a leitura e a escrita é o ponto de partida que vai permitir não só a aprendizagem dos demais conteúdos escolares, mas a possibilidade de participar com maior autonomia e protagonismo da vida social.

“Alfabetizar-se é uma das condições para o processo geral de escolarização, durante o qual os(as) estudantes entram em contato, (re)constroem e disseminam os conhecimentos acumulados pelas diferentes áreas do saber”, afirma Cristiane Mori, mestre em Linguística e docente do Instituto Singularidades, em São Paulo (SP), onde leciona disciplinas como Práticas de Linguagem Oral e Escrita na Educação Infantil e Didáticas para a Alfabetização.

“Do ponto de vista do público leigo, que inclui as famílias, a alfabetização é a etapa mais palpável dos processos de aprendizado das crianças. Ser ou não alfabetizado em uma sociedade letrada é um divisor de águas bastante visível, por um lado, e igualmente almejado, por outro, uma vez que a leitura e a escrita são consideradas bens simbólicos valorosos”, completa Mori, que participou da elaboração do componente de Língua Portuguesa para o Ensino Fundamental da Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

O que é alfabetização

Segundo a Política Nacional de Alfabetização (PNA), alfabetizar é ensinar as habilidades de leitura e de escrita em um sistema alfabético. Quando uma criança percebe que os caracteres alfabéticos (letras) representam os sons da fala (ou os fonemas da língua), podemos dizer que ela compreendeu o princípio alfabético, passo crucial no processo de alfabetização. 

De acordo com a BNCC, embora a criança esteja envolvida e participe de diferentes práticas letradas desde o seu nascimento e na Educação Infantil, são nos anos iniciais (1º e 2º anos) do Ensino Fundamental que se espera que ela se alfabetize.

“Nesse processo, é preciso que os estudantes conheçam o alfabeto e a mecânica da escrita/leitura – processos que visam a que alguém se torne alfabetizado, ou seja, consiga ‘codificar e decodificar’ os sons da língua (fonemas) em material gráfico (grafemas ou letras), o que envolve o desenvolvimento de uma consciência fonológica – dos fonemas do português do Brasil e de sua organização em segmentos sonoros maiores como sílabas e palavras”, diz o documento.

Métodos sintéticos: alfabético, silábico e fônico

De modo geral, os métodos clássicos de alfabetização dividem-se em dois grandes grupos: os métodos sintéticos e os analíticos. A principal diferença entre eles está na unidade de partida, na operação que o aprendiz terá de fazer para começar o processo de alfabetização.

Nos métodos sintéticos, parte-se de unidades menores e mais simples que precisam ser sintetizadas (unidas) para chegar em unidades maiores e mais complexas. Entre os principais métodos sintéticos estão: 

  • Método alfabético: parte das letras e seus nomes. É o famoso bê-a-bá, em que as crianças aprenderão o “be” e o “a” e que “be” e “a” é igual a “ba”;
  • Método silábico: parte das sílabas. As crianças são apresentadas e aprendem as famílias silábicas (BA BE BI BO BU etc.) e, depois, a formar palavras com elas: BOLA, MOLA, FADA, DADO, BULE etc.;
  • Método fônico: parte dos sons. Ensina-se as crianças a analisar as palavras em sons que a formam (bola = /b/ /o/ /l/ /a/) e, depois, as letras desses sons: BOLA. 

Segundo Cristiane Mori, mestre em Linguística, docente do Instituto Singularidades, em São Paulo (SP), e uma das redatoras do componente de Língua Portuguesa para o Ensino Fundamental da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), “O método fônico é o mais próximo do que defendem os pesquisadores da Ciência Cognitiva da Leitura que escreveram a PNA”. 

Métodos analíticos: palavração, sentenciação e global

Mori conta que os métodos analíticos surgiram do desconforto que muitos(as) educadores(as) e pesquisadores(as) sentiam em relação aos métodos sintéticos, pois consideravam que eram descontextualizados e partiam de unidades muito abstratas para as crianças. “Apoiando-se na ideia de que as crianças pequenas operam com unidades maiores e significativas, entenderam que também para alfabetizar era preciso partir de unidades que tivessem sentido e que, gradativamente, seriam analisadas em unidades menores. Aqui, a operação básica que inicia o processo de alfabetização é, portanto, a análise.”

Os principais métodos analíticos são: 

  • Método da palavração: parte das palavras;
  • Método da sentenciação: parte das sentenças;
  • Método global: parte de pequenos textos/historietas.

Em todos eles, primeiramente, as crianças devem conseguir ler – por memorização – unidades maiores para, somente depois de algumas lições, começar a analisar essas unidades maiores em unidades menores, até chegar na letra.

“As principais críticas a esses métodos apontaram que o processo era muito mais longo, que durante muito tempo as crianças liam só por memorização, não sendo capazes de ler palavras novas, e que, no final, voltava-se às unidades menores, como nos métodos sintéticos”, explica Mori. 

Princípios e diretrizes da BNCC na escolha da metodologia

A especialista salienta que a BNCC não recomenda nenhum método de alfabetização e nem mesmo poderia ou deveria fazê-lo, na medida em que ela é um documento normativo que estabelece princípios e diretrizes que devem nortear os currículos. “São as propostas curriculares dos estados, municípios e das escolas privadas que devem estabelecer como o processo de alfabetização vai acontecer.”

A rigor, a escolha do método é do currículo, e não uma decisão individual do(a) professor(a). No entanto, segundo Mori, essa escolha deve sempre ser guiada pela concepção de escrita, de ensino e de aprendizagem e de infância que se tem.

“Se compreendo que a criança é ativa e chega à escola já com muitos conhecimentos, que ela é capaz de analisar, refletir, comparar, sistematizar, desde que tenha objetos de conhecimento sobre os quais operar,  que o conhecimento é construído e que a escrita é um sistema social e cultural de expressão e ação social do sujeito, regido por uma lógica alfabética, a alfabetização se dará de uma determinada forma. Por exemplo, com uma abordagem construtivista, nas quais as hipóteses das crianças são respeitadas, assim como o seu ritmo de aprendizagem”, aponta a especialista.

Na opinião de Mori, a BNCC indica, desde o elenco das competências gerais, passando por seus teóricos, até o rol de habilidades, uma perspectiva construtivista de aquisição do conhecimento, na qual os sujeitos adultos medeiam a interação das crianças e adolescentes com os conhecimentos social e culturalmente disponíveis.

Para ela, destacar o caráter ortográfico do sistema de escrita é uma necessidade inconteste derivada da natureza da escrita e não de uma opção teórica ou metodológica. “O nosso sistema de escrita é fundamentalmente ortográfico, e o que a BNCC faz é demonstrar isso e alertar para o fato de que o processo de alfabetização implica, necessariamente, no processo de ortografização. Esse pressuposto não tem a ver com uma visão de escrita como código, que está na base dos métodos sintéticos e analíticos.” 

O que diz o Plano Nacional de Alfabetização (PNA) sobre o método de alfabetização?

A PNA também afirma não defender nenhum método, mas sim a instrução fônica, que é o ensino sistemático das relações entre fonemas e grafemas. Ao defender, porém, que esse ensino deve acontecer do menor para o maior, do mais simples para o mais complexo, e por meio de ensino explícito, carrega necessariamente uma visão de criança que, não sabendo ler e escrever, deverá aprender de “fora para dentro” em um ritmo e em uma ordem determinados pelo adulto. 

Nessa medida, não há como não afirmar que subjaz à PNA uma visão de criança passiva, uma concepção de aprendizagem apoiada no treinamento e uma noção de escrita como código. E por isso, é possível afirmar que o método fônico (um dos métodos de marcha sintética) combina totalmente com a PNA. 

Isso significa que um documento normativo, aprovado pelo CNE, que é a Base, está sendo subsumido por outro, que não tem a mesma natureza normativa. A Base está sendo negligenciada em favor de uma política que, ao contrário do que ela própria afirma, é guiada por uma única perspectiva teórica. Os proponentes da PNA apregoam que trabalham com uma “alfabetização baseada em evidências”, como se pesquisas feitas sob outras perspectivas teóricas não fossem nem cientificas nem baseadas em evidências. É um discurso perigoso e ao qual falta verdade, pois opera como se apenas a ciência positivista fosse válida.

Confira todos os conteúdos do Especial sobre Alfabetização do InfoGeekie:

Conheça o Geekie One, a melhor plataforma de educação personalizada. Peça uma demonstração
caret-downcheckchevron-downclosedouble-arrow-downfacebook-squareforwardhamburgerhamburgerinstagram-squarelinkedin-squarememberpauseplaysearchsendtwitter-squareyoutube-square