A tecnologia é um dos pilares da Bett Brasil Educar e, na edição de 2016, foram muitos os painéis que abordaram a necessidade de a escola abraçar a inovação – com intencionalidade pedagógica, não como um acessório “moderninho”. Escolhemos algumas falas marcantes desses primeiros dois dias de congresso que vão aprofundar a discussão sobre inserção tecnológica com a sua equipe:
O que a inovação pode ensinar à educação?
Já na palestra de abertura do evento, Lucia Dellagnelo, coordenadora da Iniciativa para Inovação na Educação Brasileira (Iieb), apontou os aprendizados que os profissionais de educação podem tirar da área de inovação: a preocupação com o ambiente, por exemplo, é uma delas. Ela destacou a importância de se criar ecossistemas flexíveis e que estimulem a criatividade, ao invés dos modelos atuais das escolas, tradicionalmente hierárquicos.
Cultivar uma mentalidade criativa, voltada para a experimentação e a prototipagem, também entrou na lista. É preciso que a escola perca o medo de errar – tanto do professor quanto do aluno; afinal, o erro é parte essencial da aprendizagem. É vendo o erro como etapa natural do desenvolvimento que as pessoas conquistam o que Lucia chama de “confiança criativa”. Para ajudar nesse processo, ela sugere metodologias e abordagens típicas do universo das startups, mas que têm muito a contribuir com o ambiente escolar, como o Design Thinking.
Repare que essa transformação na cultura da escola não exige, necessariamente, a tecnologia digital. A coordenadora citou alguns aspectos da inovação bem utilizada:
- É customizada;
- Divertida;
- Colaborativa;
- Mão na massa;
- Aberta;
- Multimodal;
- Relevante.
“A tecnologia pode ser ou não inovação”, afirma Lucia. “Ela é inovação quando nos traz novas formas de aprender e ensinar. Senão, é só mais uma ferramenta”. Marcelo Lopes, Diretor de Tecnologia Educacional do Grupo Weducation, seguiu a palestra inaugural ainda discutindo tecnologia educacional: “Tecnologia que dificulta não é inovação”, sentencia. A tecnologia só faz sentido para a escola se for resolver um problema ou melhorar uma situação – seja potencializando a aprendizagem dos alunos, seja organizando resultados ou tornando mais rápidos processos de gestão.
Dito isso, Marcelo acredita, sim, que a educação tem muito a ganhar com tecnologia bem aplicada. “Já me disseram: ‘ah, assim, o aluno pode só pegar a resposta pronta da internet’. Eu respondi: ‘Então, você tem que mudar sua forma de perguntar'”.
As possibilidades das redes sociais em sala de aula
O professor José Moran é mais um que aposta no impacto da tecnologia em sala de aula – mais especificamente, das redes sociais. Em sua palestra, em conjunto com a professora Maria Alice Carraturi, ele assinala características que tornam as redes tão apelativas para os jovens: são colaborativas, velozes e não hierárquicas. “Quem está na rede, quer estar. É diferente de uma aula em que o aluno é obrigado a sentar até o fim”, compara Moran. Seria isso uma concorrência desleal com o trabalho do professor? Para o professor, está mais para um complemento.
Não adianta, porém, tentar replicar o formato das redes sociais em ambientes seguros dentro da escola – assim, Moran garante que os jovens vão simplesmente migrar para a próxima tendência. O valor das redes sociais está justamente na possibilidade de interação e acesso a informações externas, “sem filtro”. Ao invés de rejeitá-las, educadores precisam conhecer o funcionamento dessas redes e aprender a utilizá-las de forma segura no processo de aprendizagem.
O professor precisa aceitar que seus alunos talvez não estudem nos modelos em que ele estudava quando era novo – o que não significa que não estejam estudando de uma forma que faça sentido para eles.
Paralelamente, a professora Maria Alice não ignorou os riscos das redes sociais na educação. O excesso de exposição e aumento da ansiedade foram pontos discutidos ao longo da palestra; entretanto, prevaleceu a noção de que são males que podem ser prevenidos com o ensino de cidadania digital desde a infância, algo que deve se popularizar nos próximos anos. Um perigo mais sutil é originado da própria configuração das redes: você só se relaciona, e, portanto, só vê quem concorda com suas opiniões. Para estimular debates, ainda vale o bom e velho mundo real: os palestrantes apostam na sala de aula invertida, em que alunos estudam antes, à distância, e, então, se reúnem presencialmente para tirar dúvidas e trocar ideias.
Já no final do encontro, Moran explicou que a geração atual de crianças e jovens possui o que é chamado de “cérebro borboleta”: passa rapidamente por uma grande variedade de assuntos, acessando cada um superficialmente (contrário de gerações anteriores, orientadas a se debruçar longamente sobre um único conteúdo). Essa maneira de pensar e aprender não está errada, ainda que seja diferente da do educador, e ele precisa aceitar que seus alunos talvez não estudem nos modelos em que ele estudava quando era novo – o que não significa que não estejam estudando de uma forma que faça sentido para eles.
Professores precisam de formação em tecnologia
“Gosto de uma comparação que diz que a inovação tecnológica é como uma montanha-russa. Enquanto os professores fazem a subida, os alunos já estão lá do outro lado e, quando nós chegamos lá em cima, percebemos que as coisas são tão rápidas que saímos do controle”. Foi assim que a ex-vice-presidente da Associação Brasileira de Tecnologia Educacional (ABT), Lígia Leite, começou sua palestra. Assim como seus colegas, ela chamou atenção para o fato de que alunos e professores, separados por algumas décadas, aprendem de formas diferentes e isso deve ser entendido e respeitado. Lígia falou sobre a necessidade de uma formação tecnológica continuada para professores, ou uma “alfabetização tecnológica”.
“De quem é a responsabilidade pelo desenvolvimento das competências tecnológicas do professor?”, indaga. A intenção não é apontar dedos; os envolvidos, como concluímos ao ouvir o resto da conversa, são muitos. É preciso uma relação entre políticas públicas, abertura da instituição, apoio da equipe de educadores e infraestrutura para que os professores aprendam os potenciais usos da tecnologia em sala de aula. Ligia também reconhece as vantagens de a escola contar com um especialista em tecnologia educacional, que faça a ponte entre novidades digitais e suas aplicações e os professores.
Atualmente, os obstáculos vão desde a falta de domínio dos educadores, passando por uma oferta de cursos e conteúdos insuficiente, até pouco apoio de instituições de ensino. Como consequência, o professor não consegue fazer uma curadoria de qualidade, selecionando o que é ou não útil para suas aulas. “É preciso conhecer tecnologia até para dizer não à tecnologia. Sem essa competência, o professor acaba tendo que aceitar tudo o que lhe é empurrado”. Com um número cada vez mais alto de soluções tecnológicas no mercado, é imprescindível que cada educador seja capaz de entender o funcionamento, utilizar tecnologia e selecionar as ferramentas digitais que lhe interessam.
A educadora e pesquisadora Maria Elizabeth de Almeida, que falou sobre como medir o impacto da tecnologia na educação, endossa a necessidade. “Superadas as dificuldades de infraestrutura, o maior desafio é a compreensão de que a tecnologia tem potencial pedagógico”, admite. Para ela, os cursos de formação existentes ainda não suprem a demanda – precisam encontrar um equilíbrio entre o teórico e o instrumental. Outro aspecto importante, por mais óbvio que pareça, é o tempo.
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