Educação do futuro: avanço do ensino híbrido e das tecnologias educacionais 

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Em entrevista exclusiva para o infoGeekie, o professor José Moran fala sobre a Educação do Futuro, o desenvolvimento de competências socioemocionais, a importância do ensino híbrido e o bom uso de tecnologias no ensino e na aprendizagem.

Afinal, o que é a Educação do Futuro? Foi com essa pergunta que iniciamos a entrevista com José Moran, professor, escritor e pesquisador de projetos educacionais inovadores, autor do blog Educação Transformadora. O especialista fala também sobre o impacto positivo das tecnologias educacionais no Ensino Básico e as novas tendências para os próximos anos. Esta entrevista está imperdível! Confira aqui.

O que é a Educação do Futuro?

A educação olha, principalmente, para o presente, para o aqui e agora; ao mesmo tempo busca no passado o que foi mais significativo nesta trajetória e também olha para o futuro, para o cenário que imaginamos que irá acontecer e onde nossas crianças viverão como jovens e adultos. 

Educação é vida, não é só preparação para a vida, já dizia cem anos atrás John Dewey. Explicar o conceito de “Educação do Futuro” às famílias de estudantes é essencial para que compreendam as mudanças no cotidiano, na escola e no mundo e apoiem seus filhos e suas filhas nesse processo. 

Isso significa que a forma como aprendemos e ensinamos também precisa evoluir. Em vez de se concentrar apenas na memorização de fatos e informações, a Educação do Futuro prioriza o desenvolvimento de habilidades essenciais que serão valiosas ao longo da vida dos(as) estudantes. Essas habilidades incluem o pensamento crítico (capacidade de analisar informações e tomar decisões informadas), a criatividade (habilidade de resolver problemas de maneira original), a colaboração (trabalho em equipe eficaz) e a comunicação (expressar ideias de forma clara). Essas são habilidades fundamentais para o sucesso em qualquer carreira e na vida cotidiana.

A educação no futuro pode ser vista como utopia e como tendência. Como utopia imaginamos o futuro na perspectiva de uma sociedade mais justa, inclusiva, mais evoluída. Olhando mais objetivamente, percebemos o futuro como não linear, com oscilações, imprevistos, tendências contraditórias. O futuro da educação depende de muitos fatores, como as políticas públicas, as demandas sociais, as inovações tecnológicas, as transformações culturais. Mesmo assim, algumas tendências parecem que serão mais fortes, nos próximos anos.

Educação mais diversificada, flexível, com experiências práticas

A educação será mais diversificada e flexível, permitindo que os alunos e as alunas escolham seus próprios caminhos de aprendizagem, de acordo com seus interesses, necessidades e potenciais. A educação tenderá a ser mais baseada em experiências práticas, projetos interdisciplinares, problemas reais e aprendizagem colaborativa. As escolas se tornarão polos de aprendizagem, atendendo tanto estudantes jovens como adultos(as), como a comunidade do entorno e outros grupos interessados, nas várias fases da vida de todos.

Serão mais valorizadas as competências socioemocionais, além das cognitivas. Os alunos precisarão desenvolver ainda mais habilidades como pensamento crítico, criatividade, comunicação, colaboração, resolução de problemas, adaptabilidade, empatia, ética, entre outras.

Ensino híbrido e uso de tecnologia

Continuará o avanço da educação híbrida e online, permitindo que os alunos e as alunas acessem recursos educacionais, colegas e docentes de qualquer lugar e em qualquer momento. Plataformas de ensino online, videoconferências e realidade virtual, aumentada e mista desempenharão um papel importante nessa evolução, em ambientes de aprendizado mais imersivos e interativos, onde os(as) estudantes poderão explorar conceitos complexos de maneira mais envolvente. A inteligência artificial avançará na personalização do processo de aprendizagem, no monitoramento do progresso dos alunos e na identificação de áreas em que os(as) alunos(as) precisam de maior apoio.

A aprendizagem se dará ao longo da vida. Todos nós precisaremos atualizar nossos conhecimentos e competências para adaptarmo-nos a cenários em transformação em todos os campos. A educação enfatizará mais a colaboração global e a diversidade cultural, conectando estudantes de todo o mundo e promovendo uma compreensão mais ampla e profunda das questões globais.

2. Qual é a importância do uso da tecnologia na Educação do Futuro? Quais são os grandes benefícios e por quê?

A transformação digital, hoje, refere-se a um processo contínuo e em constante evolução pelo qual as pessoas e as organizações utilizam tecnologias digitais para comunicar-se, para aprender, para reinventar seus modelos de gestão. A tecnologia não é uma panaceia, porque a educação é um processo essencialmente humanizador, ao encontro entre pessoas que se ajudam, interagem e se apoiam. 

Até agora as tecnologias estavam sendo utilizadas para atividades mais previsíveis, repetitivas. Agora estamos na fase das tecnologias que mexem com as profissões criativas, como design, marketing, publicidade, jornalismo e educação. As tecnologias são muito importantes para automatizar tarefas, melhorar a produtividade e criar novos formatos de conteúdo. As tecnologias permitem flexibilidade, maior rapidez nos processos, visibilidade dos resultados.

Tecnologia na personalização do ensino e da aprendizagem

Na educação, as tecnologias podem ser usadas para desenhar e vivenciar percursos mais personalizados e para promover a aprendizagem colaborativa e o trabalho em equipe em projetos, que contribuam para o desenvolvimento do pensamento crítico, resolução de problemas e melhor comunicação. As tecnologias são mais importantes quanto mais incentivam a criação e a experimentação. Os laboratórios maker, integrados ao currículo, têm um enorme potencial de inovação pedagógica, ao colocar os(as) estudantes como protagonistas e criadores(as).

As tecnologias também podem contribuir para uma avaliação mais precisa e imediata dos(as) alunos(as), monitorando o progresso, recebendo feedback em tempo real e podem contribuir também para a realização de avaliações formativas, o que ajuda a identificar os pontos fortes e fracos do processo de aprendizagem e adaptar o ensino para atender às necessidades dos alunos e das alunas. 

A transformação digital está impactando a educação como um todo, desde o planejamento e gestão escolar até o ensino e avaliação dos(as) estudantes. Todas as escolas estão enfrentando mudanças nas formas de ensinar e de aprender com metodologias ativas, aprendizagem criativa e humanizadora, com apoio de plataformas e aplicativos cada vez mais evoluídos, que dialogam com a experiência, vivência, sensibilidade e motivação dos estudantes, num cenário ainda muito desigual. As tecnologias “inteligentes” estão mostrando que, nas mãos de profissionais criativos e humanos, podem contribuir para redesenhar os currículos, as metodologias, os espaços, a tutoria e a avaliação, tornando a escola muito mais aberta, participativa e relevante.

3. Inteligência Artificial, tecnologias imersivas, personalização do aprendizado, são algumas das tendências educacionais da Educação do Futuro (e que a Geekie já usa). Essas tendências tendem a crescer mais ainda? Por quê?

O digital é um ambiente essencial para inovar, empreender, integrar todas as áreas, pessoas e serviços e poder oferecer experiências ricas e diferenciadas de aprendizagem, pesquisa e parcerias. O cenário que se desenha é, no conjunto, promissor e, também, desafiador.  A Inteligência Artificial e o avanço na realidade virtual, aumentada e mista trazem inúmeras possibilidades de que cada um aprenda interagindo continuamente com tutores virtuais, no seu ritmo e tempo, com seus pares e com docentes. 

Tendo acesso e domínio digitais, os(as) docentes podem desenhar e gerenciar o que cada estudante aprende, os avanços e as dificuldades de cada um(a), dos grupos de cada classe. Cada aluno(a) pode ter seu tutor virtual com o qual interagir, tirar dúvidas, avançar. O(a) professor(a) pode acompanhar o percurso de cada estudante, e assim desenhar atividades adequadas para o momento em que ele(a) se encontra, ajudando-o(a) a problematizar, contextualizar, orientar nas dimensões mais criativas, complexas e humanas e a gerenciar grupos e turmas diferentes projetos grupais com muita experimentação e compartilhamento. Pode ver como esse(a) aluno(a) está em relação a outras turmas do mesmo ou de outros colégios parceiros. O(a) professor(a) pode visualizar as estratégias didáticas de cada colega e propor algumas atividades ou projetos em conjunto.

Os(as) gestores(as) podem acompanhar e gerenciar o andamento das turmas, onde há alguns problemas específicos, antecipar-se a situações que podem trazer problemas mais adiante (ausências, desistências…), podem avaliar o desempenho dos(as) docentes por área de conhecimento, por série, por escola, analisando um conjunto de escolas. Podem ter um mapeamento das famílias, das questões mais controversas e das estratégias mais adequadas.

Com tecnologia, famílias acompanham o desempenho de seus(suas) filhos(as)

As famílias podem ter acesso ao planejamento, andamento e avaliação do processo de ensino e aprendizagem dos seus filhos e suas filhas e como ele(a) está dentro da sua classe e em relação a outros(as) colegas de outras classes e ter feedbacks mais precisos para ajudar na solução de problemas antes que eles(as) se avolumem ou tornem mais difíceis de enfrentar. Famílias também pode colaborar com suas competências profissionais e seu tempo para ajudar os estudantes em workshops e outras formas de colaboração.

Estamos no início de um período de ensino e aprendizagem muito mais imersivo, experiencial, criativo, que exige gestores(as) e docentes com competências intelectuais, socioemocionais e digitais muito mais avançadas e estudantes e famílias alinhados(as) com esta nova visão e práticas. 

A educação precisa ser criativa e empreendedora, na escola e na nossa vida, que nos desafia em todos os campos, a todo momento, em todas as áreas com problemas concretos, complexos e multidisciplinares. Aprender empreendendo, experimentando e refletindo é a única saída para viver uma vida com significado e evolução em todos os momentos e em todas as dimensões. E a escola é um espaço privilegiado para a inclusão de todos nesta caminhada.

4. Poderia citar alguns estudos e pesquisas que evidenciam os benefícios do uso da tecnologia na educação?

A Internet nos traz estudos em profundidade, internacionais e nacionais sobre os impactos positivos para a educação. Bons exemplos são o Banco de teses e o Google Acadêmico. As principais universidades e organizações sociais que atuam na educação publicam artigos, relatórios, livros sobre o tema. Destaco os estudos do CIEB e do Instituto Unibanco. Entre tantos bons pesquisadores do Brasil recomendo os artigos e livros dos(as) docentes José Valente (Unicamp), Elizabeth de Almeida (PUC-SP), da Vani Kensky (USP), Eliane Schlemmer (Unisinos), Lea Fagundes (UFRGS), Romero Tori (USP) e do João Mattar (PUC-SP).

5. Gostaria de acrescentar algum comentário sobre esse assunto?

Anos atrás, víamos as tecnologias como instrumentos que ajudavam o(a) professor(a) e o(a) estudante. Hoje o digital é um ambiente autônomo de ensino e de aprendizagem, que se integra com ambiente físico, e que permite uma mistura de possibilidades impossíveis no passado. Em tecnologia, temos várias ondas, acompanhando as descobertas: TV, vídeo, Internet, celular, smartphone, streaming. Em 2022 falava-se muito de 3D, de realidade virtual; neste ano a inteligência artificial se popularizou, mas todas as tecnologias cada vez estão convergindo mais. Antes a IA era para especialistas ou para algumas grandes empresas que podiam pagar milhões pelo direito de acesso. Hoje, qualquer um pode digitar, conversar, tirar dúvidas em tempo real: é muito surpreendente. 

Ainda temos que aprofundar muito toda esta questão. Temos também muitas distopias ainda, muita pesquisa rasa. Às vezes faço a mesma pergunta para o ChatGPT, para o Bard, para o Bing, e as respostas às vezes são meio chapadas, outras vezes são divergentes. Algumas citações acadêmicas ou referenciais bibliográficas podem não ser corretas, ou falsas. Você tem que ter um conhecimento prévio, um domínio tanto conceitual quanto intelectual do contexto para saber analisar e avaliar, e conseguir extrair todo o potencial dessa busca. Senão você fica como um papagaio: faz uma pesquisa, copia e cola, e pode aparentar que sabe sem realmente conhecer um assunto. Isso é algo que sempre aconteceu, que muitos(as) alunos(as) fizeram nas nossas aulas — copiar sem entender —, só que hoje é muito mais fácil. Se você não tem uma visão crítica, estiver preparado, não avança muito, fica refém do que outros(as) dizem. Por isso, a formação humanística e digital é cada vez mais necessária, mediada por bons materiais e bons(as) docentes.

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