Gestoras e gestores de escolas particulares compartilham suas experiências de relações com familiares e trocam práticas para envolver toda a comunidade escolar no processo de aprendizagem
O Congresso de Gestão Estratégica nas Escolas Privadas, Educo Brasil 2019, promoveu momentos de trocas de experiências nos painéis da programação e em seus espaços de interação, nos cafés e almoço. Realizado pela Blue Ocean, o evento aconteceu nos dias 25 e 26 de abril e reuniu gestores de escolas privadas de todo o Brasil para debater sobre diversos temas pertinentes à educação básica e superior. No primeiro dia, o evento foi aberto pelo secretário de Educação do Estado de São Paulo, Rossieli Soares, que falou sobre os desafios da rede paulista para os próximos quatro anos e as expectativas de modernizar as escolas incluindo a tecnologia no ensino.
Além de Rossieli, a abertura do evento, que se propôs a debater “O futuro que nos aguarda”, também contou com as falas da fundadora da Companhia de Talentos, Sofia Esteves, da vice-presidente acadêmica do Ibmec, Maira Habimorad, e do fundador do Colégio Oswald de Andrade. Na sequência, o Educo também debateu a relação com os familiares dos estudantes e o perfil atual desses discentes.
Seu filho não sei, mas meu aluno…
No painel “Eles não são mais os mesmos”, que se propôs a debater o trato de temas sensíveis e desafiadores com os familiares, a diretora-geral do Colégio Rio Branco, Esther Carvalho, compartilhou sua experiência dos últimos sete anos à frente da instituição. Ela começou sua fala refletindo sobre a natureza do serviço que uma escola presta para os estudantes e para a sociedade. “Nós prestamos um serviço cujo pai necessariamente não será 100% satisfeito porque temos diferentes concepções de famílias e reunimos diferentes expectativas do que se espera de nós”, aponta a diretora. Frente à diversidade, Carvalho destaca que a identidade e o propósito da escola devem se sobressair para toda a comunidade:
“O que manda neste negócio [na escola] é que, primeiro, já sabemos que não vamos agradar sempre; e, segundo, o que vai fazer com que essa relação se estabeleça com mais consistência, ainda que complexa, mas com mais transparência é a clareza da proposta e da identidade da instituição. Quanto mais claro você tem o seu projeto, se você sabe a que veio e, ao mesmo tempo, estabelece uma escuta importante com o pai sobre o que ele pensa a respeito do trabalho da escola, conseguimos aumentar e fortalecer a relação dos familiares com a escola.”
Entender e esclarecer quais são os diferentes papéis dos atores da comunidade escolar ajuda na aproximação da família. “Filho não é o aluno, mas faz parte da mesma pessoa. O que a gente precisa entender é que esse indivíduo, na família, está sendo formado com essa natureza [de filho], e na escola ele é mais de um porque ele é coletivo, é cidadão”, explica a diretora.
Encontros com a Direção
Ao longo de sua experiência com os familiares de seus estudantes, a diretora do Colégio Rio Branco aprendeu a fazer a escuta ativa com todos, dando o tempo necessário para eles falarem tudo o que precisavam. Em um certo momento, ao ouvir várias colocações de uma mãe sobre um problema de menor relevância para chegar até a direção da escola, Carvalho percebeu que precisaria de uma solução para o relacionamento com os pais.
A partir dessa necessidade, surgiu o “Encontro com a Direção”, que é mensal e ocorre desde 2012 nas duas unidades nas quais ela trabalha. Em cada reunião, cerca de 40 familiares se juntam para pensar a educação seguindo apenas duas regras: não se fala de questões pessoais e é preciso haver respeito às ideias. “Nossa pretensão é trocar ideias porque a complexidade que estamos vivendo, como educadores e como adultos, demanda de nós a abertura para pensar e refletir a educação”, explica a diretora-geral que reforça que nos 7 anos que o encontro ocorre, ela nunca precisou recorrer às regras impostas.
Os encontros com a direção são, também, encontros entre os próprios familiares. As reflexões são preparadas com um pequeno material antes da data agendada. No dia do evento, a direção abre a reflexão para os participantes conversarem e eles são divididos em grupos de discussão de acordo com as temáticas do encontro. “Este aprendizado ajudou muito a alimentar o processo de aprimoramento da instituição”, revela Carvalho.
“A escola no mundo e o mundo na escola”
Outra escola que compartilhou suas experiências com o envolvimento e relação com familiares foi o Colégio Builders Bilingue. Segundo Ana Paula Mustafá Mariutti, diretora administrativo-financeira da Builders e da escola Garatuja Educação Infantil, o foco das escolas é, há 20 anos, a sustentabilidade. A diretora explica que a equipe da instituição faz coleta seletiva, reutiliza material e consumo consciente, além de ter o currículo pautado nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, da Organização das Nações Unidas. As ações não se limitam, contudo, no âmbito material. A equipe de gestoras do colégio também envolve toda a comunidade, inclusive professores e professoras, em todas as ações promovidas, como no desenvolvimento socioemocional por meio de aulas semanais de yoga e meditações diárias, por exemplo.
“A gente entende que as dimensões de uma escola sustentável se dividem em um currículo que se transforma e que transforma aqueles que estão vivendo, fazendo ou mostrando esse currículo para outras pessoas. No caso da Builders, o currículo que se transforma e nossa ideologia pedagógica estão pautados na educação através do amor porque não acreditamos em educação infantil sem afeto”, explica Mariutti.
Uma outra dimensão de uma escola sustentável é “A escola no mundo e o mundo na escola”. No caso da Builders, a direção promove encontros constantes com os familiares dos estudantes para colocar essa dimensão na prática. A instituição tem pais parceiros que cuidam das ações sociais; pais representantes responsáveis pelas questões de dentro das salas de aula; e os helping parents, que auxiliam educadores e/ou dão aulas em oficinas de sustentabilidade e bem-estar. “Quando o pai entra para a escola, ele começa a compreender aquela dinâmica e vira o mais parceiro possível”, conclui a diretora.
Avaliação de docentes: “Agora é minha vez!”
“A gente tem uma ideia de que as vozes silenciadas são as dos menos favorecidos e daqueles que não estão em sua maioria na escola. Mas, se vocês fizerem uma breve pesquisa, no Google mesmo, vocês vão perceber que eles [os estudantes] não se sentem ouvidos nas suas escolas”, começa a diretora pedagógica do Colégio CEI (Centro de Educação Integrada, do Rio Grande do Norte), Cristine Rosado. A fala da diretora foi contextualizada com a exibição de um trecho do documentário “Nunca me sonharam”, do diretor Cacau Rhoden sobre a realidade de estudantes de escolas públicas brasileiras.
Com o desejo de escuta ativa e instigada pelos seus estudos no mestrado e no doutorado, Rosado resolveu fazer uma avaliação dos docentes de sua escola. “No começo não foi simples. Os professores estão muito acostumados a avaliar e não a serem avaliados. O instrumento ainda é tido como um objeto de coação, de punição. Os professores, primeiro, tinham muito medo de saber o que todos iriam pensar, do que a gestão ia pensar [com os resultados]. Criou-se, de fato, um desgaste inicial com a equipe docente”, revela a diretora de forma transparente e sincera aos gestores do Educo Brasil 2019.
O tema, contudo, foi trabalhado com estudantes e com toda a equipe pedagógica para trazer mais clareza dos propósitos da ação. Ela também diz que a importância dessa avaliação, no começo, não foi percebida como relevante pelos estudantes para o processo de aprendizagem. A partir dos esclarecimentos e treinamentos, contudo, a prática auxiliou a escola a aprimorar suas rotinas e visões sobre o papel de cada educador e educadora.
Alfabetização, Neurociência e Bilinguismo
Em meio às trocas de experiências entre os representantes das equipes gestoras das escolas participantes do Educo 2019, os participantes do evento também tiveram a oportunidade de entender um pouco mais sobre as diretrizes para alfabetização da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). A redatora do componente de Língua Portuguesa da Base e especialista em alfabetização do Instituto Singularidades, Cristiane Mori, debateu o tema com foco na importância da alfabetização para as crianças.
Segundo a especialista, além das habilidades específicas da alfabetização presente na Base, há um conjunto de outras habilidades relacionadas à leitura, produção de texto, de usos da oralidade e da escuta, e de análise linguística que precisam de atenção das educadoras e dos educadores. “Quando olhamos para este conjunto, entendemos que o trabalho previsto para os primeiros e segundos anos do Ensino Fundamental, visa que a criança, imersa em situações de uso, de leitura e escrita, oralidade e participando ativamente dessas situações, vá gradativamente compreendendo o sistema de escrita de maneira significativa e contextualizada”, explica a especialista.
Ao destacar a importância da alfabetização, Mori retoma o debate sobre o papel da escola na sociedade:
“Sabemos que há um conjunto enorme e diversificado de saberes que constitui o patrimônio artístico, cultural e científico da humanidade e que a escola ainda é uma grande porta-voz dele. O acesso a esse patrimônio é fundamentalmente feito por meio da escrita e hoje por meio dos textos multimodais que não implicam apenas a escrita, mas também outras linguagens. Quanto mais tempo a criança demora para ser alfabetizada, mais ela fica alijada de acessar e participar desse patrimônio. Então, é um compromisso ético, de todo educador, que a criança se alfabetize rapidamente.”
Gestão socioemocional e neurociências
Adriessa Santos, coordenadora de pós-graduação em Neurociência na Escola pelo Instituto Singularidades, conversou com os gestores e gestoras sobre a importância de entender as contribuições da ciência para gerir aspectos socioemocionais dos estudantes.
A especialista explicou que ao longo do desenvolvimento do indivíduo, ocorre um processo conhecido como “podas neurais”. Ele acontece em alguns momentos na vida e se resume a um corte de algumas ligações entre os neurônios. “São cortadas aquelas conexões que não são muito utilizadas. São momentos no qual vão demarcar quais conexões vão continuar pelo resto da vida e isso depende dos estímulos dadas aos indivíduos”, explica Santos.
A neurocientista abordou as podas neurais para esclarecer a importância da qualidade dos estímulos que são dados a crianças e adolescentes ao longo de seus desenvolvimentos. Na fase da adolescência, por exemplo, há, entre outros mecanismos biológicos, uma queda da produção de dopamina, um hormônio responsável pelo entusiasmo e energia das crianças pequenas. “A diminuição da dopamina gera o tédio dos adolescentes e é natural, portanto, que eles busquem por mais desse hormônio e por mais estímulos que deem prazer”, comenta para concluir e fazer um alerta aos participantes do Educo: “Deem prazer na aprendizagem aos seus estudantes!”
Além deste ponto, Santos também reforçou a importância do sono para a aprendizagem. Segundo ela, a aprendizagem é consolidada durante o sono, mais especificamente durante o sonho. A melatonina, conhecido como o hormônio do sono – mas que, na verdade, é o hormônio que marca o escuro no corpo do ser humano -, é produzida em diferentes faixas de horário ao longo das fases de desenvolvimento do indivíduo. Nos adolescentes, por exemplo, ela é produzida a partir da meia noite e termina às 7h ou 8h, um dado relevante para explicar o sono excessivo nas primeiras aulas da manhã.
Ensino bilingue e a adaptação à BNCC
Diversas representantes de escolas bilíngues também compartilharam suas experiências com os congressistas do evento. Entre elas, a diretora do colégio Avenues, Cristine Conforti, apresentou como a escola conseguiu harmonizar as competências e habilidades da BNCC com os componentes específicos do currículo da Avenues de Nova York, sede da rede de escolas.
A educadora compartilhou um pouco de sua história e revelou que nunca se imaginou trabalhando com uma escola bilíngue por seu amor ao Português e sua carreira como professora de literatura. Porém, a postura mudou quando a Avenues se apresentou como uma escola global. Segundo a diretora, a proposta da rede é conversar com o mundo por meio de seus campi, ligando a sede Nova York com as unidades de São Paulo (a primeira fora dos Estados Unidos), da China e outras duas unidades ainda em criação. “A proposta da Avenues é de haver relevância da cultura e realidade brasileira por meio de um casamento do currículo internacional com o brasileiro, que, no nosso caso, é a BNCC”, explica Conforti.
Ruckus Constructus: uma feira de tecnologia e criatividade da Avenues
Parte desse trabalho de criar uma sinergia de desenvolvimento de diferentes demandas e culturas é trabalhado nos eventos da escola e na relação com a comunidade. O Ruckus Constructus foi um desses eventos nos quais a equipe pedagógica trabalhou o poder da conectividade com experiências imersivas, interativas e educativas. Todos os atores da comunidade escolar, dos estudantes aos seus familiares, junto de convidados externos, fizeram diversas oficinas, atividades, demonstrações, exposições e palestras. Entre os destaques estiveram as experiências em realidade virtual, palestras, e atividades mão na massa, que envolvem coding e design thinking.
Em uma das salas do evento, que recebeu o nome “Connected Room, Connected Toys” (“Sala conectada, Brinquedos conectados”, em tradução livre para o português), o pai e a mãe de uma das estudantes da escola apresentavam os 17 vídeos que a filha fez para mostrar como usava a internet para seu aprendizado cotidiano. Eram 17 vídeos espalhados pelo ambiente e os familiares dividiam espaço com o head de Devices da Amazon, Jacques Benain. Durante sua apresentação, o executivo elencou casos de implantação de inteligência artificial em produtos da empresa e destacou a importância da conscientização sobre os usos da tecnologia no dia a dia.
Segundo a diretora da Avenues, em entrevista ao InfoGeekie, o evento estende à comunidade da escola e compartilha com suas famílias a convicção de que o propósito da escola é oferecer aos seus estudantes múltiplas oportunidades de tratar experimentalmente questões discutidas em sala de aula e observadas na vida. Ela também faz um reforço:
“Um currículo deve incluir o que acontece no mundo, o que implica refletir sobre a experiência e experienciar a reflexão. As tecnologias, tratadas como recursos essenciais a esse propósito, remontam ao que Aristóteles concebia como Práxis, ou seja, instrumento para se atingir o conhecimento, perpassam as ideias educacionais de John Dewey e ancoram na contemporaneidade. Talvez estejamos, hoje, saboreando a possibilidade de construir uma escola que percorre e transcende o tempo para poder tecer criativamente o futuro que desejamos.”
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