Reinventando as formas de ensinar e de aprender

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O fato de a educação precisar mudar já era conhecido há tempos. A pandemia acelerou este processo, mas há uma série de fatores que a escola precisa se atentar para fazer dessa mudança algo estruturado e significativo para toda a comunidade. Confira aqui as dicas do professor José Moran para essa transformação.

Já sabíamos, há muito tempo, que a educação precisava mudar. Agora constatamos o tamanho do desafio que temos pela frente. Percebemos que podemos aprender de múltiplas formas, em diferentes espaços físicos e digitais, síncronos e assíncronos; sozinhos, em grupo e com mentoria. Podemos aprender em espaços formais (como nas escolas) e informais, em redes, comunidades ao longo da vida.

A educação escolar precisa ser desenhada em um mundo muito mais híbrido, conectado. Ela começa pela escola, mas vai muto além dela. Os modelos curriculares uniformes, de sequência linear não fazem o menor sentido numa sociedade com amplo acesso às informações, às redes sociais e comunidades e em que cada pessoa precisa resolver problemas complexos de forma rápida e eficiente. Hoje podemos redesenhar as melhores combinações possíveis na integração de espaços, tempos, metodologias, para oferecer as melhores experiências de aprendizagem à cada estudante de acordo com suas necessidades e possibilidades.

A educação precisa ser empreendedora

A separação entre espaços físicos presenciais e digitais diminuiu, se reconfigurou – como em outras áreas da nossa vida – e há um crescente consenso de que construiremos, a partir de agora, muitas propostas diferentes de ensinar e de aprender híbridas, mais flexíveis, personalizadas e participativas, de acordo com a situação, necessidades e possibilidades de cada aprendiz. As arquiteturas pedagógicas serão mais abertas, personalizadas, ativas e colaborativas, com diferentes combinações, arranjos, adaptações num país com realidades muito desiguais.

A educação precisa ser empreendedora, assim como a vida, que nos desafia em todos os campos, a todo momento, em todas as áreas com problemas concretos, complexos e multidisciplinares. Aprender empreendendo é a única saída para viver uma vida com significado e evolução em todos os momentos e em todas as dimensões. 

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Modelos flexíveis para escolas mais interessantes

Podemos pensar em propostas de ensino e de aprendizagem ativas muito mais flexíveis, atraentes, diversificadas, que atendam às necessidades e expectativas de cada participante, dos diversos grupos e da comunidade. Antes o acesso à informação, às tecnologias e especialistas era difícil. Agora, apesar da desigualdade existente, podemos reinventar currículos, metodologias, design de experiências, formas de avaliação. Tudo está em aberto e em construção. Caminhamos para currículos mais flexíveis, multimodais, integrados, com maior vínculo com a sociedade (famílias, organizações) com incorporação ampla do digital.

Todas as escolas e universidades podem e precisam ser interessantes. Escolas interessantes atraem os(as) estudantes, eles(as) gostam de ir. Sabem que vão encontrar ambientes que estimulam a investigação, o diálogo, a solução de problemas, o jogo, a aprendizagem com diversão e ao mesmo tempo com desafios reais. Há questões estruturais que dependem de políticas públicas continuadas, de formação e valorização de docentes e gestores(as), boa infraestrutura física e digital, entre tantos fatores. Mas vemos escolas interessantes ao lado de outras pouco atraentes. O que elas têm de diferente?

Escolas interessantes começam com gestores(as) acolhedores, que lideram pelo exemplo, que apoiam docentes, estudantes e famílias. As escolas estão limpas, os ambientes são atraentes e, principalmente, as pessoas são competentes e humanas. Os professores e as professoras estão motivados(as), se ajudam, desenham estratégias diversificadas para que os(as) estudantes se engajem, participem, criem, compartilhem. 

“Sem encantamento não há aprendizagem profunda”

Escolas são vivas e atraentes quando há comunicação, respeito, incentivo. Isso é o básico. Não estamos falando que todas as escolas precisam ter as melhores tecnologias (é ótimo, se for possível), mas o principal é ter um grupo de profissionais que fazem de tudo para encantar crianças e jovens. Sem encantamento não há aprendizagem profunda

Quando os(as) estudantes se encontram em ambientes autoritários, controladores, em que eles só executam tarefas, a aprendizagem é mais superficial e pouco estimulante. Tornar uma escola interessante não depende principalmente de ter uma infraestrutura sofisticada, mas de ter profissionais competentes, abertos, criativos e que se ajudam. Pessoas interessantes e humanas atraem, conquistam, entusiasmam. Pessoas interessantes gostam de aprender, quando ensinam; são flexíveis para adaptar-se a cada situação, pessoa e turma.

Temos escolas com propostas pedagógicas diferentes, umas com mais ênfase em projetos e a maioria em conteúdo, mas todas deveriam saber motivar, atrair, engajar os(as) estudantes, utilizando toda a expertise acumulada em gestão, docência, avaliação. Hoje todos nós, os(as) educadores(as), somos desafiados(as) a incorporar metodologias ativas, competências digitais, trabalhar com a personalização e a aprendizagem em grupos de forma mais integrada, flexível, compartilhada. Precisamos equilibrar informação com experimentação, teoria e prática, materiais analógicos e digitais, espaços físicos e virtuais. Mas o essencial continua igual: educação é o encontro entre pessoas que se ajudam a evoluir em todas as dimensões vitais; ampliar o conhecimento, as competências socioemocionais e o desenvolvimento de valores humanizadores.

Caminhos para a transformação

Sabemos que é complicado falar de transformações na educação em um país com uma desigualdade estrutural em todas as dimensões e escolas com realidades tão diferentes. Temos consciência de que as transformações também dependem de políticas públicas com diretrizes coerentes, consensuadas, continuadas e investimentos maiores e melhores na gestão, docência e infraestrutura física e digital. Os desafios, apesar dos avanços, ainda são gigantescos.

Alguns caminhos contribuem para tornar a aprendizagem mais atraente: abrir a escola para que os(as) estudantes e as famílias participem das decisões importantes; abrir a escola para a comunidade; convidar famílias e pessoas da comunidade a compartilhar sua experiência profissional com palestras, oficinas ou a “adotar” alguns(mas) estudantes que precisem de maior apoio pedagógico ou socioemocional.

Outro caminho importante é a formação docente em metodologias ativas, com apoio de tecnologias digitais. Realizar formações ativas, imersivas com metodologias ágeis para acelerar as mudanças mentais, na forma de pensar, ensinar e de agir. O propósito é acelerar a transformação do mindset das pessoas; que passem da mentalidade focada na certeza, no medo de falhar para a de arriscar, de estimular a experimentação, o erro, a criatividade, o desafio.

É importante também a formação ativa dos(as) estudantes para que saiam da atitude passiva de esperar que o(a) professor(a) decida tudo por eles para a de perceber que quanto mais se envolvam, pesquisem e resolvam problemas mais eles(as) evoluirão. A formação precisa chegar também às famílias para que compreendam, vivenciem e apoiem as mudanças curriculares, metodológicas, avaliativas e participem ativamente de todo o processo.

“As escolas mais inovadoras são comunidades vivas, com gestores(as) e docentes criativos, humanos e empreendedores”

Escolas interessantes fomentam o clima de transparência, de acolhimento, de diálogo, de compartilhamento de práticas e de envolvimento na tomada de decisões estratégicas de todos os setores da comunidade. O desenho curricular também pode ser mais flexível. Uma parte do percurso é feita pelo(a) estudante, dentro do seu ritmo e circunstâncias e através de escolhas diferentes. Outra parte é realizada em grupo, de forma mais colaborativa, experiencial e reflexiva com a supervisão e mediação dos(as) docentes nos espaços presenciais e digitais, de forma síncrona ou assíncrona.

O percurso se amplia com atividades de tutoria e mentoria para o desenvolvimento dos projetos pessoais e de vida de cada estudante. As escolas mais inovadoras são comunidades vivas, com gestores(as) e docentes criativos, humanos e empreendedores, que estão redesenhando os espaços, currículos, metodologias, tecnologias e avaliação de uma forma flexível, contínua e sistêmica.  

A transformação digital

Escolas e Instituições de Ensino Superior estão se transformando também digitalmente. O digital é um ambiente essencial para integrar todas as áreas, pessoas e serviços e oferecer experiências ricas e diferenciadas de aprendizagem, pesquisa, parcerias. São multiplataformas com inteligência artificial que integram todos os setores, atividades, participantes, onde tudo fica visível, fácil de interagir, de prever, de avaliar. Isso abre inúmeras possibilidades de parcerias, de novos produtos, de novos mercados, atendendo a todo tipo de pessoas ao longo da vida.

Ninguém ensina o que não tem. Ensinar por competências e valores pressupõe que estes tenham sido desenvolvidos em grau avançado na formação e na prática docente. Isso não é fácil e rápido. O desenvolvimento de competências amplas e a mudança de mentalidade são difíceis, lentos e de longo prazo (exigem perseverança, continuidade, resiliência).

Ao mesmo tempo, a formação nos instrumenta em como mobilizar os(as) estudantes para que encontrem ressonância e significado nos projetos que desenhamos, nos materiais que curamos, nas estratégias individuais e grupais, nas mediações e avaliações ao longo do processo. Esses projetos devem estar inseridos em um currículo mais enxuto, que distingue o que é essencial, imprescindível do que é desejável (importante, mas mais flexível).

Os modelos educacionais inovadores podem ser diferentes

Cada instituição tem sua história, trajetória, cultura, currículo, público. Mas todos os currículos precisam ser atualizados, redesenhados para conseguir ser relevantes e diminuir a distância entre escolas inovadoras e escolas que estão ficando defasadas. As escolas (básicas e superiores) precisam trabalhar em dois planos, o de curto e o de médio prazo. Há mudanças que são viáveis no curto prazo e outras que precisam ser cuidadosamente preparadas para serem bem-sucedidas, evitando possíveis retrocessos e reviravoltas. A inovação pode começar em pequena escala, em uma área que não comprometa a instituição como um todo e que permita uma avaliação cuidadosa, antes de ampliá-la para todos.

Os desafios são muitos e fascinantes tanto no campo pessoal como no institucional: todos estamos participando de um processo histórico de reinvenção das formas de ensinar e aprender para todas as idades e em todas as dimensões.

Texto introdutório do Seminário “Como transformar a educação com modelos flexíveis”, do professor José Moran que acontecerá em julho próximo. Mais informações e inscrições em bit.ly/seminariomoran4

* José Moran é doutor em Comunicação pela USP. Foi professor de Novas Tecnologias na Escola de Comunicações e Artes da USP (de 1985 até 2001) e um dos fundadores da Escola do Futuro onde pesquisou as transformações na educação com a chegada da Internet. Atualmente é palestrante e atua em cursos online e híbridos sobre como transformar nossas escolas de educação básica e superior com metodologias ativas, modelos híbridos, valores, personalização, projeto de vida, tecnologias digitais e novas formas de avaliação.

Também é autor dos livros “A educação que desejamos: novos desafios e como chegar lá” (5ª ed, Papirus, 2011) e “Desafios na comunicação pessoal” (3ª ed. Paulinas, 2007) e co-autor de “Metodologias Ativas para uma Educação Inovadora” (Penso, 2017), “Novas tecnologias e mediação pedagógica” (Papirus, 21ª ed. 2012), “Educação a Distância: Pontos e Contrapontos” (Summus, 2011).

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