A culpa não é do on-line: Contradições na educação evidenciadas pela crise atual

Colunas

Debates e discussões vêm apontando o ambiente on-line como inadequado para o processo de ensino e aprendizagem. O problema, contudo, não está no lugar onde esse processo acontece, mas em como ele é conduzido por docentes e escolas que privam estudantes da autonomia necessária para o momento e a vida pós-escola

Tenho participado de discussões e ouvido críticas ao ambiente on-line como espaço inadequado para ensinar e aprender. Muitos(as) professores(as) estão estressados(as) e muitos(as) estudantes continuam insatisfeitos(as). Há uma nostalgia – em muitos (as) – pela volta para o espaço seguro da sala de aula, que garante a aprendizagem plena, enquanto o on-line seria um espaço precário, incompleto, provisório.

O problema não está em aprendermos ou não em plataformas on-line. O que este período está revelando é que a maior parte das escolas vem ensinando de uma forma inadequada, muito conteudista, dependente do(a) professor(a), com pouco envolvimento, participação e criatividade dos(as) estudantes.

O problema é a falta de autonomia de estudantes

O problema não está no on-line; está na falta de autonomia na formação de cada estudante, na deficiência de domínio das competências básicas (saber pesquisar, analisar, avaliar…) e também na gestão paternalística das aulas, da forma de ensinar: Tudo é dado pronto, como receita fechada, prato feito, com pouca autonomia, participação e envolvimento dos aprendizes.

O on-line não é solução nem problema, é um ambiente que permite tanto a transmissão como a experimentação, com algumas adaptações. Escolas e universidades que estimulam o protagonismo do aluno e da aluna, que trabalham com desafios se adaptaram rapidamente ao on-line, incentivando o aluno-pesquisador, a personalização, atividades em grupo. Mas, professores(as) que privilegiam a transmissão de conteúdo, tornam o processo cansativo, insuportável e pouco produtivo para todos. 

O problema não está no on-line, está em privilegiar a transmissão de informações longas, quando é possível combinar informações curtas, atraentes com desafios, projetos, criatividade. Escolas e docentes que vinham trabalhando com desafios, experimentação e projetos no presencial tem encontrado aplicativos e plataformas digitais que combinam os itinerários pessoais (com flexibilidade de tempos e escolhas) às atividades diversificadas em grupo e as de compartilhamento síncrono entre todos.

O on-line, sozinho, não é suficiente. É preciso ir além

Encontramos também problemas no on-line. Os laboratórios virtuais 3-D e com realidade aumentada trazem soluções muito poderosas para simulação, imersão, aprendizagem compartilhada a distância, a um custo baixo, mas que precisam ser complementadas com experimentações de campo, com contato físico em muitos campos profissionais para uma efetiva calibração do desenvolvimento de cada um. 

Não basta realizar somente exercícios em simuladores de voos; o(a) estudante precisa também de voos reais com instrutores.

Por outro lado, este período longo de ida forçada para o digital revelou que podemos aprender e ensinar de forma muito ativa, diversificada, personalizada, misturada. As crianças precisam conviver juntas, com tutoria próxima. Mas quem já tem um domínio básico da língua, da escrita, da linguagem dos números e computacional pode aprender com um design curricular mais flexível, personalizado, que equilibre as diversas formas de presença física e digital; espaços, tempos e múltiplas formas de aprender e de avaliação para desenvolver as competências necessárias hoje como autonomia, colaboração, resiliência e criatividade.

Excluir o digital é privar estudantes de oportunidades

Este período escancarou também a extrema desigualdade de acesso ao digital e de condições de estudo e pesquisa na maioria das residências. Reforçou a necessidade de termos uma política pública que agilize a infraestrutura digital nas escolas, a formação docente em competências digitais e que o acesso individual e familiar à Internet seja considerado um direito fundamental do século XXI como ter água, esgoto e energia. 

Ensinar e aprender hoje sem o digital é privar os(as) estudantes de oportunidades ricas para vivenciar dimensões importantes para sua vida pessoal, profissional e social.

É urgente agora o compartilhamento e análise de como integrar todos os ambientes, estratégias de ensino e aprendizagem de forma otimizada em cada etapa da aprendizagem e de acordo com as necessidades de cada um(a), de cada escola, região. O digital não é uma panaceia, mas um componente fundamental da vida moderna, que afeta todas as dimensões da nossa existência (trabalho remoto, compras on-line, inserção em redes e comunidades de interesse e de práticas…).

O reforço de modelos híbridos de ensino e aprendizagem

A partir de agora os modelos híbridos se tornarão muito mais fortes, com maior integração entre a presença física e a digital, momentos síncronos e assíncronos. Precisamos ampliar a discussão e divulgação das formas de visibilizar a aprendizagem também nos espaços digitais, com as possibilidades que as plataformas oferecem – principalmente os e-portfólios- de registro, compartilhamento, observação da avaliação de cada estudante, avaliação entre pares e autoavaliação. 

A inteligência artificial começa a contribuir para conhecer as características de como cada estudante aprende, ajudar no desenho de itinerários formativos e sugerir alternativas personalizadas

São muitos os desafios na educação, em ambientes presenciais e digitais, num cenário tão complexo e carregado de incertezas. É prioritário dar ênfase e vivenciar valores humanos fundamentais. Educadores(as), gestores(as), estudantes e famílias precisam insistir em construir relações inclusivas, de afeto, de conhecimento, abertas ao diálogo, a partir de questões reais, de experimentação, pesquisa, de projetos socialmente relevantes onde os estudantes sejam protagonistas e utilizem todos os meios e tecnologias possíveis.

O que precisamos fazer agora?

Temos que rever o currículo neste período, com maior autonomia docente e intenso compartilhamento de experiências, dificuldades, formas de engajar os estudantes através das diversas plataformas e aplicativos digitais, mas também da criatividade em chegar aos mais carentes com roteiros ativos e criativos impressos, sonoros e audiovisuais adequados para cada necessidade.

Num horizonte de crises em todos os campos, que tendem a se agravar, é de capital importância que educadores(as) e gestores(as) sejam os impulsionadores(as) da esperança, de valores humanos, de caminhos que inspirem projetos relevantes. Todo o conteúdo precisa ser relevante, ligado à vida, trabalhado em relação estreita com atividades criativas e empreendedoras. Vai ficando cada vez mais evidente que podemos aprender de múltiplas formas, em todos os espaços e em tempos diferentes.

Precisamos avançar rapidamente no redesenho de projetos educacionais que sejam flexíveis, de qualidade, de custo menor e de resultados mais rápidos e ágeis. Ao mesmo tempo que fazemos as mudanças possíveis agora, neste período de transição, é importante definir um projeto estratégico de transformação no médio prazo das escolas e instituições de ensino superior para que realmente sejam modernas, atraentes, envolvente e relevantes nos próximos anos.

Este texto foi originalmente publicado no blog do autor, Educação Transformadora e cedido para republicação no InfoGeekie. 

Seminário Acadêmico Online: Como acelerar as transformações na educação

Convido você a participar e também divulgar entre seus colegas docentes e gestores(as) o Seminário Online sobre “Como acelerar as transformações na Educação”, que acontecerá em quatro encontros – nos dias 9, 16, 23 e 30 de julho, das 17h às 19h. 

Discutiremos os modelos de ensino e aprendizagem que fazem sentido daqui em diante, os modelos híbridos e as principais estratégias para agilizar a mudança mental de docentes, gestores(as) e estudantes. 

Para conferir mais informações sobre o seminário ou sobre as inscrições, acesse: bit.ly/seminariomoran

* José Moran é doutor em Comunicação pela USP. Foi professor de Novas Tecnologias na Escola de Comunicações e Artes da USP (de 1985 até 2001) e um dos fundadores da Escola do Futuro onde pesquisou as transformações na educação com a chegada da Internet. Atualmente é palestrante e atua em cursos online e híbridos sobre como transformar nossas escolas de educação básica e superior com metodologias ativas, modelos híbridos, valores, personalização, projeto de vida, tecnologias digitais e novas formas de avaliação.

Também é autor dos livros “A educação que desejamos: novos desafios e como chegar lá” (5ª ed, Papirus, 2011) e “Desafios na comunicação pessoal” (3ª ed. Paulinas, 2007) e co-autor de “Metodologias Ativas para uma Educação Inovadora” (Penso, 2017), “Novas tecnologias e mediação pedagógica” (Papirus, 21ª ed. 2012), “Educação a Distância: Pontos e Contrapontos” (Summus, 2011).

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