Durante sabatina em uma escola de Campinas, perguntei a uma conhecida professora da Universidade Estadual daquela cidade: “Por que não temos Inglês e/ou Espanhol no Enem?”, uma vez que o foco era o recém-criado exame (que na época não cobrava língua estrangeira) e a discussão voltara-se para leitura e interpretação de texto. A resposta foi: “Meu filho, não damos conta nem do Português…”. Era o início dos anos 2000.
A interpretação imediata de um recém-formado em Letras na Unicamp – mesma instituição dessa professora – foi tendenciosa. Inferindo o fenômeno de inclusividade[1], tomei o “não damos conta” como banalização dos estudos de Línguas Estrangeiras no sistema educacional de modo geral, e nas redes públicas, em específico. Um ano depois, sem desconsiderar essa visão, novo sentido veio à cabeça: “não damos conta nem [da avaliação] do Português”.
Refletindo sobre esse insight, cabe dizer que, para dar conta de avaliarmos linguagem, há a necessidade primeira de entender sua função. Nesse campo, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), que são a referência para elaboração de Matrizes de Competências e Habilidades, indicam a vertente tradicional existente do domínio da Língua Estrangeira em seu aspecto normativo (a língua como objeto de estudo, suas regras) e apontam a necessidade de perspectivas diferentes que vão além das habilidades linguísticas, como o entendimento de enunciados e propósitos (e como eles refletem a forma de ser, pensar, agir e sentir de quem os produziu), a escolha lexical de acordo com os sentidos, as variantes, as estratégias verbais e não verbais para comunicação.
Percebe-se, pois, o propósito primordial da linguagem, que, por sua vez, é regido por princípios gerais de coerência e coesão. A universalização do papel da linguagem é explicitada formalmente nos PCNs: “Entender-se a comunicação como uma ferramenta imprescindível no mundo moderno com vistas à formação profissional, acadêmica ou pessoal deve ser a grande meta do ensino de Línguas Estrangeiras Modernas no Ensino Médio[2]”.
Os exames de admissão para o Ensino Superior privilegiavam os aspectos peculiares das Línguas Estrangeiras aplicados em situações de uso prescritivo (regras gramaticais e estruturas). Posteriormente, o caráter instrumental (privilegiando a interpretação de texto) validaria a competência leitora a partir de produções legítimas na língua alvo. Recentemente, propostas de aferição de entendimento de sentidos e efeitos produzidos têm se destacado. A diversidade de gêneros textuais e de enunciados nos exames atuais ampliaram a visão tecnicista, instrumental. Há, hoje, várias propostas de exames de admissão que percorrem os modelos apresentados historicamente e, ainda, novas situações – exame de desempenho oral e de escrita (essay), por exemplo.
No ENEM, o caráter funcional da linguagem é explorado através da competência do aluno em conhecer e usar a língua como instrumento de acesso a informações e a outras pessoas e culturas[3]. Quais são as habilidades que derivam dessa competência? Na segunda parte desse texto, faremos uma análise dos itens propostos para Língua Estrangeira. Até lá!
* Por Eduardo Francini, Colégio Luiz de Queiroz – CLQ
eduardo.francini@clq.com.br
[1] Inclusividade ou clusividade é a distinção pronominal presente em alguns idiomas, pela qual a primeira pessoa do plural apresenta duas formas: uma inclusiva na qual o ouvinte está incluído e uma outra dita exclusiva na qual o interlocutor não está incluído.
[2] Parâmetros Curriculares Nacionais (Ensino Médio) Parte II – Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, pág. 32, disponível em http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/14_24.pdf, acessado em 19/11/2015.
[3] Matriz de Referência ENEM, disponível em http://download.inep.gov.br/educacao_basica/enem/downloads/2012/matriz_referencia_enem.pdf, acessado em 19/11/2015.
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