Bett Educar 2019 debate a formação docente e homologia de processos

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Guimar Melo, da escola brasileira de professores, fala sobre homologia de processos e formação docente

Educadoras destacam a importância da homologia de processos: se professores e professoras devem ensinar de maneira ativa, eles precisam aprender da mesma forma. Desenvolvimento de habilidades e competências, por exemplo, devem ser prioridade para docentes antes de serem objetos de aprendizagem dos estudantes.

As primeiras palestras do terceiro dia de Congresso da Bett Educar 2019 lançaram um olhar mais apurado à preparação de docentes. As competências e habilidades da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) precisam ser aprendidas por professores e professoras antes de serem objetos de aprendizagem para os estudantes. Esta opinião é unânime entre os especialistas que apontaram caminhos e fizeram reflexões sobre essa formação.

Na primeira palestra da manhã, Leticia Guimarães Lyle, chefe de educação da Camino Education, falou sobre práticas ativas e a complexidade da escola do século XXI. Já Guiomar Namo de Mello, diretora da Escola Brasileira de Professores (Ebrap), focou na necessidade de haver homologia de processos na formação dos docentes.

“Uma velhinha de 42 anos”

Há dois meses, Lyle recebeu por WhatsApp, uma foto de capa de jornal com a manchete “Ônibus entrou na casa humilde e foi apanhar a velhinha de 42 anos”. Após investigar, descobriu que a notícia era de 1904, quando a expectativa de vida média estava em 34 anos, o que, segundo ela, justificaria o adjetivo usado no título. A educadora, que também é pedagoga e especializada em competências socioemocionais pelo teachers College da Universidade de Columbia, usou o caso para ilustrar que, além de a expectativa de vida ser bem maior atualmente, a sociedade passou por diversas mudanças deixando cada vez mais clara que nunca a necessidade de formação continuada.

Para contextualizar sua fala, Lyle apresentou as características da escola do século XXI. Segundo ela, essa é uma instituição: mais multicultural e menos homogênea, conectada, que trabalha habilidades de alta complexidade e menos hierárquica. A escola é um espaço com acesso universal e a relação entre docentes e discentes é de constante aprendizagem e trocas frequentes de conteúdos.

Para ilustrar a questão, Lyle comenta que se tivéssemos uma visão simples da educação, ela seria uma equação matemática como x+2=4. Toda relação de aprendizagem e de ensino do século XXI tem uma característica mais complexa que a equação de primeiro grau. No cenário atual, a variável x assume distintos significados porque dois alunos que tiveram a mesma aula, com o mesmo docente, saem com diferentes perspectivas e entendimentos. “A complexidade depende das características fisiolǵogicas e emocionais do aluno, das relações que ele mantém com os demais alunos, professores e familiares”, comenta.

Para reforçar seu argumento, a especialista mobilizou a plateia de congressistas em uma rotina de escuta ativa. Em quatro minutos, Lyle orientou os participantes a se unirem em duplas para falar sobre “o que é necessário para que você continue aprendendo, e alguns de seus desafios.” O objetivo da prática foi mostrar a relevância da escuta ativa, algo pouco feito no dia a dia das escolas. A especialista destacou que parar alguns minutos para só ouvir um outro indivíduo é fundamental para ter e desenvolver habilidades e competências socioemocionais, além de ser uma forma de aprendizagem. “Quando ouvimos atentamente o outro, estamos aprendendo mais”, comentou. Professores e professoras, segundo ela, se sentem solitários em sua rotina. Assim, praticar a escuta ativa é uma necessidade para os docentes, da mesma forma que desenvolver e identificar suas próprias habilidades são essenciais para proporcionar a aprendizagem baseada em competências e habilidades aos discentes.

Além desta prática, Lyle também destacou outras que devem fazer parte da formação docente. A aprendizagem colaborativa foi colocada na lista da especialista por permitir o trabalho e reflexão conjunta para desenvolver tarefas e projetos e implantar programas e soluções que combinem os distintos resultados levantados pelos membros do grupo. Discussões e debates sobre conteúdos e ideias entre pares e com grupos auxilia o desenvolvimento da empatia e outras habilidades socioemocionais; autoavaliação e autorreflexão ajuda a se entender e a chegar a conclusões sobre como o docente aprende, se comporta, sente e faz seu trabalho rotineiro; instrução balanceada que use múltiplas estratégias e linguagens para comunicar traz diversidade neste processo; rigor acadêmico e altas expectativas mantém o compromisso com a qualidade e permite acreditar que todos os atores da comunidade escolar podem atingir grandes objetivos; e desenvolvimento de competências para ensinar competências. Estas são outras práticas que precisam fazer parte da rotina de educadores, educadoras e estudantes.

Homologia de processos

A fala de Lyle destacou a importância da homologia de processos, um ponto que também estava no cerne do discurso da diretora da Escola Brasileira de Professores (Ebrap), Guiomar Namo de Mello. Pedagoga formada pela Universidade de São Paulo (USP) e doutora em educação pela PUC-SP, Mello já foi Secretária de Educação da Cidade de São Paulo e trabalhou como especialista de educação no Banco Mundial e no Banco Interamericano de Desenvolvimento em Washington, capital dos Estados Unidos. A provocação da professora foi contundente:

“A formação de professores não é um problema novo, mas está despertando uma atenção cada vez maior porque a elaboração da BNCC trouxe junto o seguinte problema: se o professor não for formado, a base vai morrer na praia.”

Essa formação docente está inscrita em um mundo definido por Guiomar pela sigla VICA: Volátil, Instável, Complexo e Ambíguo. Marcado pela quarta revolução industrial, a revolução da automação, dos sistemas cyber-físico e da inteligência artificial, esse mundo está em constante transformação tendo como matéria mais valiosa a inteligência colocada nos processos e materiais tecnológicos. O cenário mundial se adapta a essa nova configuração das relações e exige uma série de habilidades e competências que unem o cognitivo ao socioemocional.

“Em um país como o Brasil, esse contexto [da quarta revolução industrial e da BNCC] coloca em confronto dois modelos: um modelo elitista de educação com o de uma educação universal. A escola está incluindo uma grande diversidade que exige uma educação diversa, inclusiva e que respeita o direito de aprender de todos”, contextualiza a educadora.

“Você acha possível ensinar virtude?”

A questão acima, de Sócrates feita a Protágoras, foi citada por Guiomar para relembrar que o desenvolvimento de habilidades e competências socioemocionais é mais antiga do que costumamos acreditar. Com a referência aos gregos clássicos em mente, a palestrante explica que a definição das competências socioemocionais é e deve ser um conjunto de capacidades e habilidades imbricadas em todo o currículo. “É preciso haver um professor que saiba o que são essas competências e saiba identificar as características dos estudantes, daquele aluno que se frustra ou fica revoltado por não conseguir fazer um exercício de matemática”, exemplifica a educadora.

Frente à problemática, ela lançou a questão: “Como formar um professor que estudou na escola dos velhos tempos para trabalhar na escola dos novos tempos?”

Na resposta à questão, a professora apresentou uma série de evidências coletadas em países, regiões e escolas que trabalham com a formação continuada de docentes. O destaque foi para aquelas instituições que entenderam que os professores e professoras precisam aprender de maneira ativa para propiciar este mesmo tipo de aprendizagem para seus discentes. Projetos interdisciplinares de estudos, propostas de ações e intervenções na escola e na comunidade, modelos de formação que se aproximam de um formato clínico e a relação estreita entre teoria e prática desde o primeiro dia do curso de pedagogia, licenciatura ou de formação de docentes são elementos comuns nessas escolas que se tornaram referência. Guiomar revela que estes são elementos também relevantes para repensar os currículos de cursos superiores e de formação continuada, trabalho que ela tem feito com os cursos ligados ao município de São Paulo.

“É espantoso que as metodologias baseadas em projetos tenha surgido na engenharia, na medicina e em outras áreas, mas não na educação! A relação entre teoria e prática deve existir desde o primeiro dia”, falou, indignada, enquanto destacou a importância da homologia de processos que deve existir na educação.

Sobre este ponto, Guiomar levou a plateia a refletir sobre a incoerência de haver docentes formadores de futuros docentes que não adotam uma aprendizagem condizente com seu tempo: “A profissão de professor é a única que a situação de formação corresponde à prática. O professor, quando está em uma sala de aula, tem diante dele um professor. Quando sair da sala, vai tomar o lugar desse professor que estava na frente dele. É a única atividade que você forma para fazer aquilo que está fazendo.”

Esta situação, segundo Guiomar, exige um entendimento sobre as “práticas como componente curricular”. Antes de entrar no assunto, ela logo faz um alerta: “Isso não é uma disciplina. As práticas devem ser distribuídas transversalmente pelos diferentes componentes do curso de formação dos professores”. Segundo a educadora, as práticas são importantes para adequar a aprendizagem às necessidades dos discentes e ela se aplica aos conteúdos de maneira diferente de acordo com a área de conhecimento e ao longo dos anos e séries da Educação Básica. O mais importante da discussão, contudo, é que docentes responsáveis pela formação de novos professores e professoras precisam ter a consciência de que a prática precisa também ser coerente com essas necessidades da nova geração. “Não basta rever o currículo de formação, é preciso dar um jeito de mudar a prática docente do Ensino Superior e da formação continuada”, comentou Guiomar.

Ao fim de sua fala, a palestrante concluiu: “É possível ensinar virtude, desde que ela caminhe junto com a sabedoria”.

A Bett Educar 2019 ocorre até amanhã, sexta-feira (17 de maio). O evento acontece no Transamérica Expo Center e a Geekie está presente na feira com espaço exclusivo para o Geekie One na quadra C150.

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