Acolhimento no retorno às aulas presenciais: saúde mental e escuta ativa precisam estar na pauta das escolas

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A primeira palestra do Circuito Geekie 2022 abordou a importância da empatia e da escuta ativa no acolhimento de alunos(as), professores(as), funcionários(as) e famílias no retorno para o ambiente escolar, após quase dois anos de pandemia e ensino remoto

Neste ano, a volta às aulas está tendo um significado diferente para estudantes, familiares, educadores(as) e gestores(as) educacionais. Depois de quase dois anos de ensino remoto e todas as experiências do período pandêmico, retornar para o espaço físico escolar traz a esperança de um voltar à vida e recomeçar. 

Nesse contexto, a primeira palestra do Circuito Geekie de 2022, realizada em 9 de fevereiro, trouxe o tema “Acolhimento no retorno presencial: saúde mental e adaptação ao novo cenário escolar”. Fernanda Leite, psicóloga e neurocientista, fundadora da Mandacaru Thinking, falou sobre como a empatia e a escuta ativa são ferramentas potentes para acolher alunos(as), professores(as) e famílias e preparar o ano letivo que vem pela frente. 

Também participaram do encontro online as coordenadoras pedagógicas Thaís Oliveira e Linda Pâmela do Colégio Nova Dimensão, em Fortaleza (CE). Elas contaram sobre a experiência da instituição no acolhimento dos(as) estudantes e no trabalho com as competências socioemocionais.

Assista à palestra completa no vídeo abaixo e/ou leia os destaques aqui neste post.

As quatro grandes necessidades humanas e suas relações com o acolhimento

Segundo Fernanda Leite, o momento é de acolher expectativas, medos e dúvidas da comunidade escolar. Independentemente do local onde vivem, origem, classe social, idade e nível de escolaridade, as pessoas têm as mesmas necessidades humanas que precisam ser atendidas no ambiente escolar.

As 4 grandes necessidades humanas, que devem ser acolhidas com empatia e escuta:Não ser julgado: saber que podemos ser espontâneos(as) e sentir segurança para “sermos nós mesmos”, arriscar e errar.Ser ouvido: sentir que o que pensamos e falamos é respeitado e valorizado. Ter lugar de fala e espaço para o diálogo.Ser amado: saber que somos queridos(as) e temos importância e reconhecimento.
Pertencer: sentir que é relevante para amigos, famílias, comunidades. Reconhecer-se parte integrante e importante nesses grupos.

A primeira necessidade social que temos é a de não ser julgados(as). Precisamos encontrar um lugar onde podemos ser espontâneos(as), arriscar ser nós mesmos, testar hipóteses e romper paradigmas e padrões para aprender e inovar. Um lugar onde a gente se sinta seguro para errar sem ser julgado. O erro faz parte da aprendizagem”, afirmou Fernanda. 

Outra necessidade humana que precisa ser acolhida, de acordo com ela, é a escuta. “Falamos muito da importância de expressar, de expor o que pensamos, e da valorização da voz de todos e todas. Mas é importante que junto a esse espaço da voz venha também a disponibilidade, o interesse e o querer ouvir. Quando percebemos que nossas ideias são ouvidas, que nossos medos são respeitados e que há lugar para o diálogo, isso também nos traz segurança.”

O terceiro ponto que ela colocou é ser amado(a). “Nós necessitamos ser queridos(as), bem quistos, sentir que estamos em um lugar com pessoas de quem gostamos. É importante que os(as) alunos(as) se sintam queridos(as) pelos(as) professores(as) e equipe pedagógica. Precisamos nos sentir bem-vindos(as) desde a hora que chegamos em um local até a hora que vamos embora”.

Por fim, ela destacou o sentimento de pertencimento como o mais importante dos quatro aspectos. “Essas quatro necessidades humanas foram duramente violadas nos últimos dois anos, não só em função da pandemia. No ambiente familiar, cada vez mais os pais estão desconectados dos(as) filhos(as), preocupados com outras questões, e as crianças estão voltadas para o mundo da internet. Além disso, há uma busca grande por aprovação da opinião pública, vivemos dependentes desse reconhecimento, não sabemos onde somos aceitos e não temos espaço de troca”. 

Empatia e escuta: duas ferramentas gratuitas para acolher todos(as) na escola

Para ela, uma forma de promover acolhimento é poder olhar para essas necessidades e discutir qual a melhor maneira de atendê-las, pois não há uma resposta automática ou única. “A gente precisa descobrir isso no relacionamento, na convivência”, salientou. Para isso, duas ferramentas são fundamentais: a empatia e a escuta.

Empatia: uma capacidade humana possível de desenvolver

A empatia, segundo ela, não é somente se colocar no lugar do outro. “Empatia não é uma emoção, não é um sentimento. É a capacidade humana de sentir, compreender e compartilhar o estado emocional do outro, especialmente na dor e no sofrimento. A gente não nasce empático(a). Aprendemos a ser empáticos(as) e podemos desenvolver a empatia.”

“Eu trago como definição que a empatia é a capacidade humana de sentir, compreender e compartilhar o estado emocional do outro, especialmente na dor e no sofrimento.”

Para exemplificar o significado de empatia, ela usou a metáfora de um salva-vidas. A primeira coisa que ele precisa é reconhecer quando uma pessoa necessita de ajuda, ou seja, identificar uma situação de dor ou sofrimento. A segunda é saber quais recursos ele tem para poder sair do seu lugar e ajudar essa pessoa – ir ao encontro do outro requer atitude, energia e comprometimento. E por último, ele precisa tirar o outro do estado de dor e sofrimento que está passando. 

Ela alertou que, no momento em que a equipe pedagógica está promovendo o acolhimento na escola, ela pode se deparar com diferentes realidades. “Há pessoas que não foram tão afetadas pela pandemia, existem aquelas que foram afetadas moderadamente e as que foram atingidas severamente”, disse. 

Como praticar a empatiaReconhecer uma situação de dor ou sofrimento
Saber como ajudar
Sair do meu lugar e ir em direção ao outro
Tirar o outro do lugar de dor e sofrimento

“Quando falamos em ser afetado não é uma competição de quem sofreu mais. Nossa natureza muitas vezes é egoísta e julga que meu sofrimento é maior do que o do outro. Mas nem sempre o que me afeta de uma maneira atinge o outro da mesma forma.” Fernanda explicou que, às vezes, a pessoa não teve tantos eventos traumáticos, mas sentiu muito medo, ansiedade, passou por uma doença mental ou teve depressão ou burnout durante a pandemia.

“Ter empatia com o outro não significa que eu tenha que ter passado pelas mesmas coisas. A partir do momento que eu olho para uma pessoa, respeito o que ela está dizendo, não julgo o que está passando e simplesmente acolho seu sofrimento e história de vida, isso já é um processo legítimo de empatia”, reforçou.

Os 4 níveis da escuta: da abertura zero à entrega total

De acordo com Fernanda, há toda uma preocupação com a fala hoje em dia, sobre como aprender a falar bem e ter boa oratória. No entanto, somos pouco ensinados a escutar. Ela apresentou a Teoria U, dos quatro níveis de escuta: download, seletiva, empática e generativa.

Quando vamos escutar uma pessoa, o primeiro movimento é a escuta download. Todos(as), em algum momento, passamos por essa fase. A pessoa fala e você está, por exemplo, ligado a algum aparelho eletrônico.“Eu só quero confirmar o que eu já sei. É uma espécie de download, pois não há criticidade e respeito pela outra pessoa. Essa fase é de abertura zero para aprender com o outro, exercer a empatia e acolher”, ressaltou.

O segundo nível, a escuta seletiva, é um pouco mais elaborada. “Mas eu só escuto o que me interessa. Algo que me chamou a atenção, um nome, uma experiência, um caso que despertou o meu interesse. A pessoa vê a oportunidade de saber de algo que vai se somar a uma coisa que para ela é relevante. Essas duas fases da escuta são muito egoístas”, pontuou a psicóloga.

Quando conseguimos amadurecer e ter o aprendizado da importância da empatia, evoluímos para a escuta empática, o escutar com o coração. “Começo a ouvir o outro com respeito e consideração. É uma atitude de amor. A pessoa para o que ela está fazendo para ouvir. O comportamento dela diz que aquilo que o outro vai falar é importante. Quando sentimos que somos escutados, nos sentimos amados, pertencentes e não somos julgados. Conseguimos atender aquelas quatro necessidades sociais com a escuta empática”, afirmou Fernanda.

O último nível, a escuta generativa, é aquele em que a pessoa, ao ouvir alguém, para alguns minutos e esquece onde ela está e quanto tempo passou. É uma entrega total de mente e coração. 

“Não precisa dar conselho, resolver o problema, emprestar dinheiro. Simplesmente o fato de escutar com calma é algo extremamente significativo. A empatia e a escuta são as formas mais simples e gratuitas de promover o acolhimento. Precisamos ter espaços e tempos para praticar isso entre educadores, entre toda a classe, entre as famílias”, destacou.

Acolhimento na prática no Colégio Nova Dimensão (Fortaleza/CE)

A psicóloga Thaís Oliveira e a psicopedagoga Linda Pâmela, coordenadoras pedagógicas do Ensino Fundamental do Colégio Nova Dimensão, em Fortaleza (CE), contaram que, na instituição, o acolhimento começa antes mesmo do(a) estudante entrar na escola e é algo contínuo e permanente

“Entre os pilares da nossa proposta pedagógica estão o afeto nas relações e a participação da família na escola. Fazemos o acolhimento desde a entrevista inicial, quando as pessoas vêm conhecer o colégio e são recepcionadas pelas coordenações ou pelo próprio diretor. Ser recebido por uma pessoa que vai ter todas as informações já faz diferença na escuta. O diretor é muito acessível para coordenadores, professores e alunos”, disse Thaís.

Na sequência, há outra entrevista com o aluno, e a psicóloga de cada segmento propõe momentos de interação com os(as) estudantes novos(as) e com os(as) veteranos(as). Além disso, há um evento todo começo de ano, chamado Conexão, para conectar os(as) alunos(as), as famílias veteranas e as famílias novatas, trazer informações e apresentar as coordenações e os(as) professores(as). Durante a pandemia, o evento migrou para o formato online.

Construímos a escola junto com os familiares. Nós os trazemos para dentro da escola sempre que possível, pois consideramos que essa presença faz muita diferença. O que a família traz é riquíssimo. São fontes de informações importantes para a escola. Temos que preservar esse canal de comunicação”, apontou Pâmela.

Ela citou como exemplo o “Café no ND” [Nova Dimensão], em que toda semana uma das turmas é selecionada e alguns pais são convidados para ir à escola tomar um café e conversar com o diretor e a equipe pedagógica. “Não há uma pauta determinada. A ideia é escutar o que eles têm a dizer. Nós ficamos abertos para as famílias entenderem a escola. É impressionante como esse relacionamento gera um vínculo. As famílias passam a nos buscar mais vezes”, afirmou. 

A escuta e o acolhimento geram segurança, pois eles sabem que podem contar com a escola. E essa escuta precisa ser personalizada, pois as famílias têm demandas, necessidades e sensibilidades diferentes. Essa escuta dá condição de fazer o acolhimento que cada família precisa”, finalizou Thaís. 


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Confira aqui os materiais complementares da primeira palestra do Circuito Geekie, “Acolhimento no retorno presencial: saúde mental e adaptação ao novo cenário escolar“:

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