É muito comum ver jovens não concluindo o curso superior por falta de afinidade com a área escolhida. Este fato revela a importância de orientar o/a estudante da educação básica sobre questões de trabalho e seu projeto de vida. Ter consciência de suas aptidões colabora com escolhas mais assertivas ao longo da vida.
Quase a metade dos jovens que concluem o ensino superior não trabalham em sua área de formação. Essa afirmação é sustentada por dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). De acordo com um levantamento dessa instituição, o número exato dos jovens que trabalham em outras áreas que não aquela que ele ou ela escolheu como a de sua profissão é de 44,2%. Ao se considerar todas as idades, ou seja, jovens recém-formados e aqueles que já concluíram o curso superior há alguns anos, a parcela é de 38%.
Quais questões podem ser levantadas a partir dos dados de 2018? Podemos considerar a preparação dos estudantes para fazer a escolha correta para seu curso superior. Um outro levantamento, desta vez com dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), aponta que 56% dos jovens que ingressaram na faculdade em 2010 abandonaram, desistiram ou abandonaram o curso escolhido até 2015, período no qual o instituto acompanhou estudantes universitários para fazer esse levantamento.
Ao consolidar os dados em 2016 e divulgá-los em 2018, especialistas apontaram uma série de fatores, como a falta de preparação durante a educação básica, o cenário econômico nacional e, no ponto mais interessante para o nosso debate, a necessidade de escolher uma carreira superior em idade muito jovem.
No Brasil, existe uma expectativa para que os jovens escolham seu curso superior durante o último ano do Ensino Médio. Muitos, durante esse período dos estudos, ficam em dúvida quando precisam preencher formulários de inscrição dos grandes vestibulares nacionais. Algumas instituições de ensino até disponibilizam orientadores vocacionais, mas o desenvolvimento da competência “Trabalho e Projeto de Vida” da BNCC aparece neste cenário como uma grande aliada de estudantes, escolas e até do próprio mercado de trabalho.
A opção de um curso sem projeto de vida
No levantamento referente ao abandono do ensino superior, o curso de Administração apareceu em primeiro lugar em número de desistências. Em 2010, cerca de 297 mil estudantes se matricularam no curso, mas 182 mil (61,5%) desistiram dele até 2015. A maioria desses jovens abandonaram a universidade no segundo ano do curso. Este é um momento em que a base teórica da maioria das formações superiores já foi introduzida e é quando as disciplinas se tornam mais práticas e próximas da realidade da profissão.
Vale destacar aqui que o conceito de “abandonar”, apontado pelo Inep, não necessariamente significa sair do curso superior e cancelar a matrícula. Muitos desses jovens trocam de universidade ou de curso no meio do caminho.
À luz desses dados, quando olho minha carreira profissional, percebo que vivi, durante certo período, em uma inércia inconsciente. Também optei pelo curso de Administração para minha formação superior. Porém, embora eu tenha concluído meu curso, considero que demorou até chegar o momento de descobrir o que realmente queria fazer com meu plano de vida.
A questão é a seguinte: é comum que jovens se matriculem em um curso superior sem realmente saber se a profissão ligada a ele é aquela que se conecta com sua essência e seus projetos pessoais. O plano é, geralmente, fazer a faculdade para ter um diploma, mas sem a conexão necessária com um propósito mais enraizado com o âmbito pessoal.
Por outro lado, também há aquele estudante que termina sua formação, mas demora para se encontrar dentro de sua própria profissão ou entender que ela, talvez, não seja a mais adequada e não o deixará ao alcance de seus objetivos.
Acredito que eu me encaixe na primeira opção, e as análises que fiz de minha trajetória me permitiram encontrar, antes tarde do que nunca, o caminho que realmente se conectava ao meu propósito pessoal.
A preparação para o futuro começa agora
Chega a ser injusto exigir que um estudante que nunca foi incitado a refletir com profundidade sobre si mesmo e suas aptidões deva escolher a profissão que vai guiar pelo menos os primeiros anos de sua vida adulta. O despreparo para a escolha da profissão e até da área de atuação dentro dessa opção é latente e fica evidente nas estatísticas do começo deste artigo. Porém, a BNCC aparece como uma luz no final desse túnel escuro.
Desenvolver uma competência que os auxilia a se apropriar de conhecimentos e experiências baseados em uma diversidade ampla de saberes e vivências culturais ligados ao mundo do trabalho é uma forma de facilitar o caminho das pedras que muitos estudantes do final do Ensino Médio e universitários trilham.
“Trabalho e projeto de vida” é uma competência tão transversal e dependente das demais como todas as outras elencadas pela BNCC como necessárias para a formação de um estudante integral. A partir do momento em que o jovem se conhece, entende o que é empatia, aprende a se comunicar e assume seu papel como cidadão, para citar apenas algumas características da lista das dez competências gerais, esse indivíduo tem a possibilidade formar um entendimento sobre os caminhos possíveis para sua vida já na educação básica.
É preciso que exista uma visão, construída ao longo dos anos da educação básica, que dê clareza não apenas sobre a práxis da futura profissão, mas também ao propósito interno de cada indivíduo e de como suas escolhas podem ser feitas de forma alinhada com a essência do ou da estudantes. Para além disso, ele ou ela deve estar preparado(a) para a mudança.
Já sabemos que muitas das profissões do futuro ainda não existem. Sendo assim, a valorização dos diferentes tipos de saberes e vivências culturais obtidos ao longo de sua formação pessoal, acadêmica e profissional precisa ser estimulada. Um profissional nunca é apenas o cargo no qual ele está alocado naquele momento.
Eu, como cofundador e vice-presidente comercial da Geekie, carrego comigo todo o aprendizado sobre investimentos do mercado financeiro, as teorias de meu curso superior, as metodologias e estratégias de empreendedorismo do mestrado e os demais conhecimentos que acumulei ao longo do tempo.
Só posso concluir que, a partir do momento em que um jovem desenvolve habilidades que o tornam mais competente para entender as relações de trabalho e a construção de seu projeto de vida na educação básica, as decisões tomadas ao longo de toda a vida serão coerentes consigo mesmo e com os propósitos que o guiaram.
* Eduardo Bontempo é cofundador e vice-presidente comercial da Geekie. Formado em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Iniciou seu MBA no MIT, mas deixou a instituição para fundar a Geekie em 2011, junto com seu sócio Claudio Sassaki. Eles se conheceram durante suas carreiras no mercado financeiro, quando coordenaram a abertura de capital dos maiores grupos de educação brasileiros e se aproximaram pelo desejo comum de empreender em educação.
Por seu trabalho na Geekie, Bontempo foi reconhecido como inovador do ano pelo MIT Technology Review, como empreendedor social pelo jornal Folha de S.Paulo e como empreendedor do ano pela Ernest Young. Atualmente, Bontempo também integra a rede global de empreendedores Endeavor.
Leia o artigo completo de Eduardo Bontempo no e-book “As dez competências gerais da BNCC”: