Responsabilidade e cidadania: Corresponsabilidade e transformação da escola para o mundo

Colunas
Ilustração: responsabilidade e cidadania podem ser desenvolvidos na escola com a participação de toda a comunidade escolar

A BNCC define a competência “responsabilidade e cidadania” como “Agir pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência e determinação, tomando decisões com base em princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários.”

“A educação não deve servir apenas como trampolim para uma pessoa escapar da sua região: deve dar-lhe os conhecimentos necessários para ajudar a transformá-la.”
Ladislaw Dowbor

A escola precisa ser vista para além da perspectiva de seu edifício, afinal, ela faz parte da sociedade e é composta por pessoas e pelas relações que elas estabelecem entre si. As pessoas são a razão pela qual a escola existe e, por isso, ela não deve educar sujeitos para viver sob a proteção de seus muros. Seu objetivo central deve ser, portanto, a formação de cidadãos para a vida e seus desafios.

Ao assumir para si a tarefa de formar cidadãos, a escola precisa repensar suas práticas e buscar por atitudes inovadoras, que causem impacto direto e positivo na vida daqueles que a constroem. Mudanças estruturais não são fáceis de serem realizadas, requerem todo um empenho e esforço por parte do corpo docente, de gestores(as) e demais membros da comunidade escolar. Pode parecer simples, no início, mas educar para o exercício da cidadania, na verdade, é um desafio e tanto!

Tendo este como um dos objetivos centrais, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) propõe que se desenvolva nos componentes curriculares, a partir do trabalho por competências e habilidades, a formação integral dos sujeitos em todas as dimensões da vida humana. 

Na sua décima competência geral, sugere-se que os currículos criem espaços para o diálogo e o debate de ideias e ofereçam ao(à) estudante a possibilidade de conhecer seus direitos e deveres enquanto cidadãos; exercer atividades em grupo e considerar o bem comum no momento de fazer escolhas; tomar decisões baseadas nos princípios éticos, democráticos, inclusivos e sustentáveis; refletir sobre os impactos de suas ações e ser responsável pelas consequências que elas podem gerar; desenvolver a liderança e a participação mediante a criação de projetos de impacto social visando a solução de problemas que afetam a escola, o bairro, a cidade e o mundo em que vivem. 

O que é a formação para a cidadania?

A formação para a cidadania requer valorizar a participação ativa do/da estudante e oferecer a ele/ela a oportunidade de desenvolver autonomia para que descubra suas potencialidades e as utilize na construção de uma sociedade mais justa e solidária. Nesse sentido, torna-se importante ao conhecimento escolar constituir-se a partir de uma perspectiva significativa e contextualizada, sem deixar de relacionar-se com as demandas e os desafios do mundo contemporâneo. 

Contudo, não é possível formar sujeitos para o exercício da cidadania se a própria escola fechar-se em si e para si. É necessário que se compreenda que essa formação vai muito além das relações de ensino e aprendizagem estabelecidas entre professores/as e estudantes. Toda a comunidade escolar precisa estar envolvida nesse processo para que ele se consolide na prática. 

Nesse sentido, o desenvolvimento de uma gestão democrática e participativa pode contribuir para que a escola transforme-se, de fato, em um laboratório vivo da cidadania. Compreende-se por gestão democrática participativa o “processo em que se criam condições e se estabelecem as orientações necessárias para que os membros de uma coletividade, não apenas tomem parte, de forma regular e contínua, de suas decisões mais importantes, mas assumam os compromissos necessários para a sua efetivação” (LÜCK, 2009, p. 71).

Assim, no momento em que funcionários/as, estudantes, seus familiares e as pessoas que vivem em torno da escola comecem a sentir-se parte do fazer pedagógico, as responsabilidades poderão ser compartilhadas e a instituição escolar poderá comprometer-se, de fato, com seu processo de transformação, com a transformação de seus atores e, também, da sociedade na qual está inserida. 

O papel dos órgãos colegiados na construção da cidadania

Incentivar a atuação efetiva de órgãos colegiados, como o grêmio estudantil e o conselho escolar, por exemplo, pode ser um primeiro passo importante para colocar esse desafio em prática. Reflita: que papéis esses órgãos têm desempenhado na unidade escolar da qual você é membro? Eles são agentes importantes nos processos de decisão da escola? Vamos conhecer melhor algumas de suas atribuições.

O grêmio estudantil

A atuação do grêmio estudantil, enquanto representante das demandas dos/das estudantes, deve se dar de maneira livre e autônoma dentro e fora da escola. É por intermédio desse órgão que muitas crianças e adolescentes têm sua primeira experiência nos processos de tomada de decisão de uma instituição. 

As assembleias estudantis, organizadas pelo grêmio, podem ser momentos importantes para dar poder de voz e voto aos/às estudantes. Nelas, podem ser pautadas diversas questões que vão desde a resolução de conflitos internos até a realização de ações e atividades que extrapolam os muros da escola e alcançam a comunidade em seu entorno. Portanto, conforme salienta Araújo (2009, p. 259), o grêmio estudantil torna-se “imprescindível para o exercício democrático de cidadania, bem como para o resgate da dimensão política no interior da escola, entendendo política como a arte de os seres humanos discutirem, deliberarem e interferirem no mundo em que vivem”. 

O conselho escolar

Enquanto instância máxima de decisão, o conselho escolar, composto por direção, coordenação pedagógica, professores/as, estudantes, famílias e representantes da comunidade externa, tem como função central “garantir a participação de todos os segmentos envolvidos no processo educacional, promover a democratização da gestão e a descentralização do poder”. 

Com ações deliberativas, consultivas, mobilizadoras e fiscalizadoras, esse órgão atua no sentido de assumir a cogestão da escola, de discutir e deliberar sobre questões que envolvem a aprendizagem e o cotidiano dos/das estudantes, além de buscar alternativas para a solução de problemas cotidianos vivenciados pela instituição escolar e, também, pelo bairro que a circunda. Para Vasconcellos (2009), o conselho escolar deve ser um espaço de exercício do diálogo, do poder de decisão, portanto, de resgate da condição de sujeitos históricos de transformação, na busca do bem comum no âmbito da escola e de suas relações. 

A integração com o Projeto Político-Pedagógico da escola

A participação desses e de outros órgãos colegiados na construção do Projeto Político-Pedagógico torna-se, nesse sentido, fundamental. Se é este o documento que abriga as metas e ações da instituição escolar, nada mais coerente que ele incorpore, também, a perspectiva dos agentes que vivenciam o cotidiano, os desafios da escola e de seu entorno.

Um PPP que nasce do diálogo e da colaboração coletiva tende a adotar uma postura mais comprometida com a transformação da realidade da escola, de seus sujeitos e da sociedade. Dito isso, propomos mais algumas reflexões: o PPP da instituição escolar da qual você faz parte reflete o compromisso com a formação para a cidadania? A gestão escolar tem se empenhado para garantir a participação dos demais agentes no processo de elaboração do documento? Em que medida a comunidade escolar tem assumido para si a tarefa de colocar em prática as premissas defendidas pelo PPP? 

Assumir novas posturas, como já destacado, pressupõe deparar-se com inúmeros desafios. Ao compreender que não está sozinha nesse processo, cabe à gestão escolar articular a formação dos órgãos colegiados e incentivar sua participação, para que todos/as possam se integrar, de maneira ética e coerente, aos processos de tomada de decisão da escola. Assim, a formação para a cidadania deixa de ser uma prática desenvolvida apenas em sala de aula e passa a ser um desafio coletivo de responsabilidade de toda a comunidade escolar.

Desejamos que as discussões presentes neste material, juntamente com a BNCC, possam ampliar a perspectiva da escola e de seus agentes acerca da importância de seu papel no processo de formação de sujeitos autônomos, responsáveis, conscientes e agentes de transformação social. 

Leia este e outras interpretações das competências gerais da BNCC no e-book:

e-book 10 competências gerais da BNCC - geekie one

Referências

ARAÚJO, Adilson César de. A gestão democrática e os canais de participação dos estudantes. Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 253-266, jan./jun. 2009. Disponível em: <http://www.esforce.org.br/>. Acesso em: 18 jun. 2019.
DOWBOR, Ladislaw. Educação e apropriação da realidade local. Estudos Avançados, vol. 21, n. 60, p. 75-90, 2007. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0103-40142007000200006>. Acesso em: 6 jun. 2019.
LÜCK, Heloisa. Dimensões da gestão escolar e suas competências. Editora Positivo, Curitiba, 2009.
VASCONCELLOS, Celso dos Santos. Coordenação do trabalho pedagógico: do projeto político-pedagógico ao cotidiano da sala de aula. 11 ed. São Paulo: Libertad, 2009.
VEIGA, Ilma Passos Alencastro. Projeto Político-Pedagógico e gestão democrática: novos marcos para a educação de qualidade. Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 3, n. 4, p. 163-171, jan./jun. 2009. Disponível em: <http://esforce.org.br/>. Acesso em: 10 jun. 2019.
ZAMBON, Francielle Barrinuevo; ARAUJO, Francieli. Cidadania em contexto escolar: concepções e práticas. III Seminário de Pesquisa do CEMAD. Londrina, 29-30 jul. 2014. Disponível em: <http://www.uel.br/eventos/jornadadidatica/pages/arquivos/III%20Jornada%20de%20Didatica%20-%20Desafios%20para%20a%20Docencia%20e%20II%20Seminario%20de%20Pesquisa%20do%20CEMAD/CIDADANIA%20EM%20CONTEXTO%20ESCOLAR.pdf>. Acesso em: 10 jun. 2019.


* Gisele Matos Chaves é editora de História do Geekie One. Bacharela e licenciada em História pela Universidade de São Paulo. Educadora e coordenadora de um cursinho popular localizado em um bairro periférico da cidade de São Paulo, além de militante fervorosa em prol de uma educação de qualidade para todos e todas. Integra um núcleo de pesquisa vinculado à Faculdade de Educação da USP (FEUSP) que tem como objetivos principais debater e investigar a integração efetiva entre escola e sociedade.

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