O uso do termo EaD (Educação a Distância), muito comum no contexto do Ensino Superior, tem gerado dúvidas e desconfortos nas escolas da educação básica. Entenda por que não é possível utilizar este termo no contexto atual e quais são as alternativas para uma comunicação mais clara e coerente com a proposta de sua escola
No contexto atual da educação brasileira, a adaptação das aulas presenciais para o formato a distância se tornou uma realidade para muitas instituições e secretarias de ensino pelo país. Contudo, algumas dúvidas andam surgindo por parte de gestores(as), docentes e familiares no que se refere à classificação das atividades escolares que estão sendo realizadas. Entre os principais questionamentos, podemos destacar:
- Podemos chamar as aulas a distância oferecidas pelas escola de EaD (Educação a Distância)?
- Essa modalidade está sendo adotada para crianças e jovens da educação básica?
- Qual a melhor terminologia para definirmos o que acontece na educação brasileira neste período?
Você também está com alguma dessas dúvidas? Para responder a essas e outras questões é necessário apresentar algumas definições e discussões acerca da EaD, além de conhecer as possibilidades e formatos para o ensino e aprendizagem a distância e as recentes regulamentações sobre o tema por parte dos órgãos responsáveis.
Afinal, o que é EaD?
A educação a distância não é novidade no cenário educacional. Sua característica principal está no rompimento das distâncias espaço-temporais, permitindo que a educação ocorra mesmo quando professores(as) e estudantes não estiverem no mesmo espaço físico. Ela pode ser realizada através de diferentes meios de comunicação (rádio, televisão, computador, internet, materiais impressos), tendo como principais ganhos a flexibilização do tempo e a escalabilidade no que se refere ao número de estudantes atendidos pelo(a) mesmo(a) professor(a). Não à toa, é comum nos cursos de EaD a presença de tutores para apoiar os(as) docentes na mediação de grandes grupos de alunos.
De acordo com o Ministério da Educação (MEC): “Educação a distância é a modalidade educacional na qual alunos e professores estão separados, física ou temporalmente e, por isso, faz-se necessária a utilização de meios e tecnologias de informação e comunicação. Essa modalidade é regulada por uma legislação específica e pode ser implantada na educação básica (educação de jovens e adultos, educação profissional técnica de nível médio) e na educação superior” (conceito apresentado no site da instituição, acessado no dia 5 de maio de 2020).
A modalidade EaD está estabelecida na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9394/96) e regulamentada por meio de diversos decretos federais, sendo extremamente difundida nos cursos de ensino superior e nos cursos de formação técnica e profissional.
No ensino fundamental, é permitida a adoção da educação a distância somente como complementação da aprendizagem ou em situações emergenciais (LDB Art. 32). Já no ensino médio, existe a possibilidade de se oferecer aulas a distância em 20% da carga horária no período diurno e até 30% da carga horária do noturno – permissão estabelecida para atividades na formação geral básica e nos chamados itinerários formativos do currículo pela Resolução CNE/CEB nº3 11/2018, que dispõe sobre as alterações introduzidas pela Lei da Reforma do Ensino Médio (Lei nº 13.415/2017).
Então, por que o termo EaD não é o mais adequado nesse momento?
De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), para uma instituição oferecer a modalidade EaD, a mesma deve ser credenciada e cumprir uma série de requisitos estabelecidos pela União e pelos sistemas de ensino. No artigo 80 da LDB é definido que:
“§ 1º A educação a distância, organizada com abertura e regime especiais, será oferecida por instituições especificamente credenciadas pela União.
§ 2º A União regulamentará os requisitos para a realização de exames e registro de diploma relativos a cursos de educação a distância.
§ 3º As normas para produção, controle e avaliação de programas de educação a distância e a autorização para sua implementação, caberão aos respectivos sistemas de ensino, podendo haver cooperação e integração entre os diferentes sistemas.”
Como as escolas de educação básica, na sua maioria, não foram credenciadas para a modalidade EaD, mas sim estão temporariamente liberadas a ofertar atividades a distância por conta do contexto atual, até mesmo os Conselhos Estaduais de Educação têm optado por não utilizar o termo EaD. Para destacar essa diferença, os Conselhos Estaduais de Educação, que se posicionaram sobre o tema a partir de março de 2020 permitindo a manutenção das atividades escolares fora do espaço físico da escola, utilizam diferentes terminologias para definir o momento que estamos atravessando, como: atividades não presenciais, regime especial de aulas não presenciais, atividades domiciliares, aulas remotas, ensino não presencial.
As diferentes definições demonstram que não podemos confundir as atividades escolares realizadas a distância, restritas ao período de isolamento, com a modalidade EaD. Lembrando que as escolas, passado esse período de excepcionalidade, devem voltar a ofertar as aulas presenciais, visto que seus estudantes estão registrados no regime presencial e não na modalidade a distância. Além disso, há escolas que estão encaminhando atividades para serem realizadas em casa, mas sem o uso de tecnologias digitais, por exemplo, através da indicação de leitura de livros, realização de atividades contidas nos livros didáticos, entre outras.
Esse é mais um motivo para se atentar ao utilizar o conceito de EaD, já que de acordo com o Conselho Nacional de Educação (CNE): “Pode-se observar que o conceito de educação a distância no Brasil está intimamente ligado ao uso de tecnologias digitais de informação e comunicação, além de um conjunto de exigências específicas para o credenciamento e autorização para que instituições possam realizar sua oferta”.
Outro argumento para não se denominar de EaD, é que o currículo e a proposta pedagógica original das escolas foram desenhados para uma modalidade presencial. As escolas estão buscando se adaptar ao novo contexto, mas trata-se de uma adaptação momentânea. De acordo com nossa diretora pedagógica da Geekie, Camila Karino: “Não podemos associar o termo EaD exclusivamente ao uso de meios digitais e ao fato de as aulas não serem presenciais. Há uma série de requisitos que precisam ser analisados pelo Ministério da Educação ou pelos órgãos por ele vinculados para possibilitar o credenciamento e a autorização do ensino a distância. Logo, por conta do contexto de isolamento social, não significa que as escolas estão credenciadas e autorizadas a ofertar essa modalidade de ensino. Por isso, EaD não é o termo mais adequado.”
O uso das tecnologias digitais nos cursos EaD e nas atividades escolares a distância
Para Camila Karino, essa confusão surgiu em grande parte pelos meios empregados pelas escolas para realizar as atividades a distância. Essas utilizam muitos recursos e formatos comuns aos cursos a distância, em especial a educação on-line, que tem como base o uso da internet e das novas tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC´s) intercalando momentos síncronos – nos quais docentes e estudantes estão conectados ao mesmo tempo – e assíncronos – naqueles em que eles e elas não estão conectados, porém a aprendizagem continua acontecendo.
Para os chamados momentos síncronos, muitas escolas têm realizado o chamado broadcast, que pode ser traduzido como a virtualização da sala de aula. Através das ferramentas oferecidas pelas TDIC’s (Hangouts Meet, Zoom, Microsoft Teams, entre outras), os docentes conseguem explicar o conteúdo, tirar dúvidas e se comunicar com os estudantes. Além do uso de materiais didáticos digitais, os professores e as professoras também têm explorado a apresentação de slides, o compartilhamento de documentos e materiais, entre outros recursos.
Nos chamados momentos assíncronos, as escolas também têm feito práticas comuns dos cursos EaD, como atividades que incluem leituras, pesquisas, produções individuais e coletivas, a realização de questões, o uso de fóruns virtuais e a gravação de videoaulas. De acordo com as determinações de muitos Conselhos Estaduais de Educação, as horas dedicadas às atividades assíncronas poderão ser contabilizadas para a contagem de horas desse ano letivo. Para isso, as orientações para a execução e o registro dessas atividades devem ser bem direcionadas e contar com o apoio de toda a comunidade escolar. Assim, como ocorre em muitos cursos EaD, a realização das atividades assíncronas poderá ser contabilizada no cumprimento da carga horária do ano letivo, a depender das determinações de cada estado.
No entanto, algumas diferenças também devem ser destacadas. Por exemplo, a grade horária de um curso de educação a distância no ensino superior é majoritária de momentos assíncronos com momentos síncronos pontuais. As escolas, por outro lado e em sua maioria, têm optado por manter sua grade horária preenchendo com aulas remotas entre docentes e estudantes, tornando o período síncrono maior do que aquele dedicado às atividades assíncronas.
Para concluir, observamos que a confusão gerada pelo uso recorrente do termo EaD para classificar as aulas remotas na educação básica surgiu não apenas pela falta de clareza na definição pedagógica e jurídica do momento que estamos passando, mas também pelo uso comum de meios e ferramentas oferecidas pelas tecnologias tanto nos cursos EaD como nas atividades escolares atuais.
Ao longo deste artigo, esclarecemos o porquê não é correto se referir às aulas oferecidas pelas escolas como EaD. Por fim, deixamos como sugestão alguns termos que podemos utilizar, sem medo de erros e equívocos, para o momento que vivemos, como: atividades escolares a distância, atividades pedagógicas a distância, aulas remotas, ensino não presencial, atividades escolares não presenciais.
* Paulo Bitencourt é designer pedagógico na Geekie. Professor de História há mais de 12 anos trabalhando com pré-vestibular, Ensino Médio e Fundamental II. Formado em História na UFRJ com mestrado em Educação na mesma instituição. Realizou pesquisas nas áreas do ensino de História e da História da Educação.
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