Minha maior crítica na defesa da dissertação de mestrado foi a originalidade: pouca teoria e muita prática. Em sala de aula, no entanto, a teoria está dada e um tom academicista não é mais coerente com a necessidade de uma dinâmica que promova o protagonismo estudantil
Quando fiz meu mestrado em Literatura Comparada, na Universidade Federal do Ceará, eu tinha uma ideia original. Minha dissertação tinha mais páginas autorais, com informações baseadas nas minhas percepções, do que citações ou referências a teorias de outras pessoas. Obviamente, havia teóricos de renome no meu texto, mas predominava o trabalho com o texto literário propriamente dito, com minha análise particular e desenvolvimento da minha hipótese. Mas gostaria de propor uma reflexão de como essa experiência está relacionada à necessidade de promover o protagonismo estudantil, hoje tão necessário.
No ambiente acadêmico, quem passa da graduação pode querer fazer mestrado e doutorado. Durante o mestrado, as “muletas” intelectuais são necessárias e desejadas; qualquer pessoa que esteja nessa fase precisa do embasamento de outras pessoas que já teorizaram o que está sendo estudado, com risco de ter seu trabalho criticado: isso aconteceu comigo. A maior crítica a meu trabalho foi o fato de eu ter pouca teoria, e mais prática. Durante a defesa, inclusive, sugeriu-se, mais de uma vez, que eu evoluísse o trabalho para o doutorado, onde eu poderia de fato soltar as “muletas”. Por enquanto, não, obrigado.
Já no ambiente escolar, a dinâmica pode ser diferente, e em geral é. Para estudantes escolares, a palavra da professora e do professor é lei. Se está em acordo com o material didático utilizado, já existe o embasamento teórico necessário para acreditar nela e admiti-la como verdade.
Experiências docentes e o protagonismo estudantil
Em tempos de protagonismo estudantil (os quais esperamos que sejam perpétuos), existe a necessidade de subverter essa dinâmica, confiando a estudantes a vez e a voz para se pronunciarem mais, tirarem suas próprias conclusões e aprenderem de forma autônoma, com a figura docente aparecendo para facilitar esse processo. Essa subversão precisa ser feita de maneira bastante delicada e profissional, já que, como são aprendentes, estudantes precisam descobrir essas novas informações, mas tendo embasamento para argumentar sobre os conteúdos que absorverem.
Ao olharmos para professores e professoras, e mesmo para gestão escolar, às vezes esse embasamento é dispensável. Quando consideramos a experiência que tais profissionais adquirem ao longo dos anos, é normal, e até esperado, que haja algumas teorias que se decantem no conhecimento e se percam em referências diretas, ou seja, para cada ação, decisão, abordagem, metodologia e aplicação, docentes e gestores podem confiar no que desenvolveram e aprenderam na prática.
É aqui que entra a intuição. Haverá momentos em que educadores e educadoras precisarão tomar decisões e/ou escolher abordagens que podem até ter embasamento teórico, mas para os quais não precisarão fazer referência, pois sua prática e experiência indicarão o que e de que forma deve ser conduzido o momento.
De forma alguma, quero dizer que o embasamento teórico não é importante. A formação escolar, a acadêmica, os cursos livres, as formações e as leituras são indispensáveis para o desenvolvimento e a evolução profissional de qualquer pessoa, e se estamos falando de educação, tudo isso ganha um peso incomparavelmente maior, especialmente no que diz respeito à prática de sala de aula. Ressalta-se aqui um destaque que vai além desse embasamento e que somente a prática poderá proporcionar.
Confiança e liberdade de caminhos na prática docente
Em níveis de gestão escolar, definir a proposta pedagógica de um evento da escola no folheto às famílias, por exemplo, defendendo o motivo de ele ter sido escolhido para ser feito não exige, necessariamente, que seja explicado que o foco didático segue a linha de pesquisa do teórico X ou da teórica Y. Na sala de aula, optar por aplicar uma metodologia ativa não exige, necessariamente, que se explique onde ela foi desenvolvida, apresentando aplicações anteriores que comprovem sua eficácia. Isso se torna vazio de significado e sem propósito lógico. O que importa é que a palavra de alguém da gestão ou da docência tem seu peso e seu valor, portanto deve ser seguida e respeitada. Há que se ter essa relação de confiança para que a escola permaneça como instituição saudável e em constante processo evolutivo.
A inadequação talvez esteja em se limitar a um a outro estilo. Ter na escola ou mesmo ser aquela pessoa que para tudo precisa citar outra, embasando sua fala nas teorias alheias, é irritante. Em compensação, seguir apenas a intuição, sem querer estudar mais e conhecer outras teorias para além das que já sabe, é limitar a si e à escola, e só quem sai perdendo são as turmas de estudantes.
Na minha dissertação de mestrado, o maior elogio foi a maior crítica também: originalidade. Se fosse no doutorado, a lógica seria inversa. Se eu estivesse numa escola, seria somente crítica mesmo, pois restringir-me à minha intuição poderia significar colocar estudantes em uma jornada limitada. Ir para o outro extremo seria transformar minhas aulas em algo chato e academicista, desnecessariamente. Em suma, para quem quer trabalhar com educação, teorizar é bom, mas seguir os instintos de vez em quando também é, mostrando-se às vezes até necessário.
*Érick Nascimento é Gerente editorial do Geekie One, formado em Letras pela UFC e tem mestrado em Literatura Comparada pela mesma instituição. Após anos de experiência na sala de aula, na qual atuou desde o Ensino Infantil até o Ensino Superior, tornou-se coordenador pedagógico-editorial em um sistema de ensino.
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