Práticas meditativas, como o mindfulness na educação, são usadas por escolas e trazem inúmeros benefícios a crianças e adolescentes. Essa prática, contudo, está permeada por alguns mitos que precisam ser desvendados.
Às 7 horas da segunda-feira, o professor Maurício entra em sala para iniciar uma nova semana de aula. Os estudantes do 3º ano do ensino médio aguardam por mais uma oportunidade de praticarem as técnicas que têm os auxiliado a desenvolver o que mais precisam nesse momento: a tranquilidade, a concentração e o controle das emoções.
Após dar alguns avisos e informações rápidas, ele pergunta para todos: “Você está respirando? Tem certeza disso? Feche os olhos e preste atenção na entrada e na saída do ar dos seus pulmões. Agora, observe a sua mente. Como estão os seus pensamentos e emoções nesse momento?”
A atividade, realizada em silêncio, dura apenas alguns minutos com técnicas que envolvem o foco na respiração, a observação do corpo e a percepção do fluxo de pensamentos. Ao término os alunos estão mais atentos e conscientes para iniciarem uma semana de estudos, aprendizados e de preparação paras as provas de vestibular. Ao mesmo tempo, se sentem mais dispostos e confiantes para enfrentar as pressões das escolhas e decisões que envolvem o último ano da educação básica. Pode até parecer mágica, mas não é! Esses jovens estudantes apenas tiveram acesso a uma prática milenar que vêm transformando a vida de milhares de pessoas por todo o mundo: a meditação.
Nos dias atuais, as escolas se preocupam cada vez mais com o desenvolvimento de competências que vão além de aspectos cognitivos para promover uma formação integral dos seus estudantes. O conceito de educação integral com o qual a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) está comprometida se refere à construção de processos educativos que promovam aprendizagens sintonizadas com as necessidades e os interesses dos estudantes e, também, com os desafios da sociedade do século XXI. Um desses desafios está diretamente relacionado à promoção da qualidade de vida e da saúde mental e emocional das crianças e jovens.
No entanto, muitos docentes e gestores se questionam sobre quais seriam as melhores maneiras de construir com os alunos competências socioemocionais como propõe a BNCC. Por exemplo, uma das 10 competências gerais prevista no documento é a noção de autoconhecimento e o autocuidado, caracterizada como uma forma de: “Conhecer-se, apreciar-se e cuidar de sua saúde física e emocional, compreendendo-se na diversidade humana e reconhecendo suas emoções e as dos outros, com autocrítica e capacidade para lidar com elas” (Base Nacional Comum Curricular, 2017)
Diante dos novos desafios para a educação básica, surgem alguns questionamentos: como promover o desenvolvimento de novas competências no ambiente escolar? Como elaborar estratégias de aprendizado baseadas em inteligências afetivas e emocionais? Que práticas podem ajudar na formação integral do indivíduo na escola?
Um elemento cada vez mais difundido no meio educacional como forma de construir competências socioemocionais é a prática de meditação, em especial, a técnica de Mindfulness, também chamada de Atenção Plena. Desenvolvida por Jon Kabat-Zinn e outros cientistas na década de 1970, essa técnica vêm contribuindo ao combate da ansiedade e do estresse, ao tratamento de doenças crônicas como fibromialgia e também doenças psiquiátricas, como a depressão. Já existem inúmeras comprovações científicas de seus efeitos, com pesquisas realizadas em centros internacionais como Harvard e MIT. Em Harvard existe um programa denominado Centro de Saúde e Qualidade de Vida onde são oferecidas aulas regulares, formações e aulas online de meditação. (para saber mais sobre esse programa acesse: https://wellness.huhs.harvard.edu/Mindfulness)
A prática de mindfulness vêm sendo introduzida também nos mais diversos ambientes como hospitais, corporações empresariais, equipes esportivas e prisões. Já no campo da educação está sendo utilizada nos diferentes segmentos da educação básica desde a educação infantil aos anos finais do ensino médio, com objetivos, métodos e benefícios diversos e correspondentes à faixa etária em que é aplicada.
Desmistificando o mindfulness e a meditação
Apesar da crescente divulgação e aplicação da meditação nas diferentes esferas da vida humana, ainda existem mitos e preconceitos sobre essa prática. Vamos conhecer alguns deles agora:
“Meditação não é para mim, pois não consigo parar de pensar.”
Esse discurso é muito comum entre as pessoas que desconhecem a meditação. Muitos ainda acham que a prática envolve esvaziar completamente suas mentes, lutar com pensamentos e emoções para chegar ao estado de “vazio total”. Contudo, meditação, e em especial a técnica de mindfulness, não é sobre deter pensamentos, mas sim notá-los sem julgamento. Todos nós temos pensamentos bons e ruins e esses estão diretamente relacionados às nossas emoções. Essa observação sem envolvimento permite aprender a subir e descer na vida, como os pensamentos, e manter o equilíbrio levando uma vida mais saudável e feliz.
“Meditação é coisa de religião”
Outro erro comum é associar a meditação a algum tipo de tradição mística ou religiosa. É verdade que muitas religiões utilizam as técnicas de meditação como meio de aprofundar a espiritualidade, entretanto, a meditação possui atualmente um cunho laico e científico com comprovações de sua eficácia para a saúde física e mental dos praticantes regulares.
“Preciso virar um monge para aprender a meditar”
Mais uma falácia produzida e repetida por aí relaciona a meditação a períodos prolongados em estado imóvel e marcada por extremo esforço, tal como uma prática ascética feita por monges. Porém, os benefícios da meditação podem ser percebidos em pouco tempo com técnicas simples que não ultrapassam basicamente 15 minutos diários. Além disso, existem técnicas de mindfulness que são realizadas de forma ativa, como a caminhada consciente que consiste no uso da atenção plena no momento de caminhar observando o contato dos pés com o solo, as sensações do corpo, a respiração e tudo que ocorre a sua volta. Meditar é acima de tudo, estar consciente do momento presente, sem se prender aos acontecimentos passados ou esperar ansiosamente pelo futuro.
Os benefícios do mindfulness para adolescentes
São diversos os benefícios da meditação para os jovens tanto do ponto de vista da saúde pessoal como das relações éticas e sociais. Através da meditação é possível para o estudante conhecer melhor a si mesmo, seus pensamentos e emoções, e dessa forma aprender a respeitar as diferenças e ser empático com o outro. Além disso, a prática coletiva permite a troca de experiências entre os alunos ajudando no desenvolvimento da cooperação e do companheirismo. Outros benefícios que também podemos destacar são:
- Menos Preocupação;
- Menos Estresse;
- Mais atenção e concentração;
- Calma;
- “Cabeça fria” na hora da prova;
- Melhora nos relacionamentos pessoais;
- Saber lidar com as emoções;
- Consciência postural e respiratória;
- Melhora da qualidade do sono;
- Aprimoramento da memória;
- Estado de bem-estar permanente.
Nos dias atuais, muitas escolas já perceberam o valor dessa prática e têm a incentivado através de aulas específicas (normalmente associadas a aulas de Yoga) ou através da formação do corpo docente para ser utilizadas no começo das aulas, ou nos momentos que acharem necessário para retomar o foco e a concentração necessárias ao processo de aprendizagem. O professor Maurício, que relatamos no começo da nossa conversa é um professor da disciplina de Geografia e adota de forma regular a meditação em suas atividades pedagógicas para melhorar a atenção e o engajamento dos estudantes nos conteúdos abordados. Os relatos de estudantes que praticaram a meditação (mindfulness) no ambiente escolar é mais uma prova de como ela pode ajudar em momentos decisivos, como na hora das avaliações escolares e nos exames vestibulares. Sendo assim, que tal parar, observar a respiração e meditar um pouco?
* Paulo Raphael é designer pedagógico na Geekie. Graduado em História e mestre em Educação pela UFRJ, Paulo desenvolveu projetos relacionados à prática de meditação na educação básica. Professor formado na Associação Brasileira dos Profissionais de Yoga (ABPY-RJ) atuou durante muitos anos no Instituto Hermógenes de Yoga, uma das principais instituições de yoga e meditação do país.
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