Educação e Tecnologia: caminhos possíveis e cuidados necessários

Colunas

A pandemia do coronavírus trouxe como resultado um maior uso de tecnologias por toda a comunidade escolar. Esta se mostrou uma oportunidade para famílias se aproximarem da escola e verem de fato como o processo de aprendizagem acontece. A outra face da moeda, no entanto, deve ser o cuidado com a exposição prolongada às telas. Confira aqui dicas de como tratar esta questão.

Em virtude da pandemia de Covid-19, várias mudanças ocorreram na educação e em relação a preocupação das famílias com o uso de tecnologia. Os três primeiros meses de adaptação com a pandemia não foi fácil, no entanto, várias dessas mudanças influenciarão a vida das famílias e o processo educacional brasileiro por muito tempo. 

Educadores em todo o mundo tiveram que se reinventar e ampliar o uso da tecnologia como ferramenta para a prática pedagógica. As escolas que já faziam uso de tecnologia com intencionalidade pedagógica para maximizar o processo de ensino e aprendizagem, tiveram melhor desenvoltura no processo de adaptação às aulas virtuais. 

Vale enfatizar que a educação do século XXI tem vários desafios. Além de ensinar conteúdos programados dos currículos, deve-se formar os próximos cidadãos com habilidades e competências para viverem e modificarem um mundo globalizado, conectado e muito tecnológico. Pensando nessa perspectiva, será que as escolas brasileiras cumpriram esse papel nas últimas duas décadas?

Famílias e a recriação de seus processos de aprendizagem

O processo de educação envolve o engajamento de várias partes interessadas: estudantes, educadores, escolas, famílias, sociedade e o mercado de trabalho. No entanto, é comum que as famílias cristalizem crenças em relação ao processo educacional. 

Heidi Jacobs (2010), uma escritora e educadora norte-americana, diz que os adultos tendem a ter memórias positivas sobre a escola e se sentem confortáveis recriando o mesmo cenário para as próximas gerações. Ou seja, algumas famílias acham que a forma de educar seus filhos e suas filhas pode ser somente da forma que foram educados. 

Nessa perspectivas, várias famílias tiveram dificuldade em apoiar as escolas nas tomadas de decisões sobre a melhor forma de conduzir as aulas on-line. É normal que o novo gere insegurança, mas a real insegurança deve ser a da falta de aprendizado e de mudanças. 

Nativos e Cidadãos digitais: qual é a diferença?

Para educadores e educadoras, um mundo novo surge à frente. São novas oportunidades de desenvolvimento e aprendizagem, experimentos e invenções. A tecnologia traz inúmeras e criativas possibilidades de ensino. Já para estudantes, é algo um pouco diferente do mesmo, e sua reação só depende de como a informação chega em seu processo de aprendizagem.

Por já crescerem tendo experiências altamente imersivas com dispositivos eletrônicos e softwares avançados, nós os chamamos de “Nativos Digitais”. Uma realidade diferente dos adultos de 2020, que acompanharam a evolução do celular com antena e botões até o advento da realidade virtual. Para os nativos, o touchscreen é um “elemento da natureza”, e tudo que não seja wireless não faz sentido.

Nativos digitais têm tanta facilidade em lidar com a tecnologia e toda a sua constante renovação, que é inspirador pensar em maneiras de utilizar dessas tecnologias para desenvolver seu aprendizado. No entanto, é muito comum pensar que, por este motivo, não temos com o que nos preocupar enquanto eles estiverem conectados. 

Muito embora o(a) estudante de hoje tenha facilidade de adaptação e utilização de ferramentas digitais, ele não tem a mesma noção de cidadania, saúde e segurança que nós adultos temos. Pela nossa maturidade, muitos de nós já aprendemos a “surfar na net”, sabemos o que é certo e errado, seguro e duvidoso, o que é fake e o que é news. Somos, por tanto Cidadãos Digitais.

Cidadão Digital: uma pessoa que desenvolve as habilidades e conhecimentos para usar efetivamente a internet e outras tecnologias digitais, especialmente para participar com responsabilidade de atividades sociais e cívicas.

Exposição à tela: qual é a preocupação com os Nativos Digitais?

Com as aulas virtuais e pessoas trabalhando em casa remotamente, várias famílias e docentes passaram a se questionar acerca do tempo que crianças e adolescentes podem ficar em frente à tela. As pesquisas não são concomitantes nesse quesito, no entanto, pesquisadores da Universidade da Califórnia afirmam que o único período exposto à tela com o qual as famílias não precisam se preocupar é das videochamadas (CHASSIAKOS, 2018). Ou seja, a preocupação em relação ao tempo de exposição à tela, não é exatamente o receio que os cientistas possuem, mas sim, o que as crianças estão deixando de aprender ou desenvolver.

No caso de videochamadas, as crianças estão com outra pessoa do outro lado da tela e desenvolvem habilidades sociais que são essenciais para o desenvolvimento do cérebro da criança. Dentre as habilidades sociais, estão as habilidades de comunicação e de empatia. 

A pesquisa também aponta que é possível aprender a respeitar outras perspectivas nas interações sociais por plataformas de videochamadas. Dessa forma, caso haja uma pessoa do outro lado da tela ou ao lado das crianças, o tempo em frente à tela pode ser transformado em um momento de aprendizagem significativo. 

Mesmo diante do benefício de aprender habilidades sociais por videochamadas, um estudo feito pelo Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos, traz algumas preocupações relacionadas à exposição de crianças e adolescentes às telas (ABCD, 2018). O estudo que foi conduzido com 11.000 pessoas ao longo de dez anos, demonstra que o uso constante da tela pode provocar atrofia do córtex cerebral, diminuindo a receptividade de informações sensoriais; acelera o processo de envelhecimento cerebral e pode ocasionar vício, já que o uso de excessivo de tela libera dopamina, que é um neurotransmissor relacionado ao prazer. O mesmo estudo demonstra que adolescentes que usam redes sociais menos de 30 minutos ao dia apresentam muito menos sintomas depressivos e autodestrutivos do que os(as) adolescentes que usam redes sociais por um tempo superior a este.

Quando falamos de tecnologia e redes sociais, falamos de um mundo desconhecido. Assim como no mundo real, algumas pessoas se utilizam da possibilidade de não estarem cara-a-cara com uma pessoa e praticar agressões virtuais e até cometer cibercrimes.  Famílias e docentes devem se atentar, regular e acompanhar o acesso de crianças e adolescentes nesse mundo desconhecido. 

Com o simples ato de se permitir conhecer um pouco mais sobre este mundo dinâmico e mergulhar em suas possibilidades, poderemos aprender e ensinar crianças e adolescentes a utilizarem ferramentas digitais com consciência. Este é o momento ideal para formar cidadãos digitais. E ao passo que realizamos isso, estaremos reinventando os processos de aprendizagem.

A consequência dessa reinvenção é fácilmente antecipada: a tecnologia será finalmente integrada ao currículo escolar. Nesse momento, fatores que antes causavam apreensão, como exposição e utilização inconsciente das telas, agora serão vistos como ferramentas, por serem utilizadas com a devida intencionalidade pedagógica. Abrindo portas, através do ensino híbrido, para a implementação de diversas metodologias de aprendizagem ativas.

O retorno às aulas: dicas para lidar com a exposição às telas

A grande inquietude atual de famílias, educadores(as) e gestores(as) educacionais é sobre o retorno às aulas. Cada escola terá a autonomia de desenvolver um plano que atenda às suas necessidades. Esse plano deve levar em consideração as novas instruções dos órgãos estaduais e federais responsáveis pela Educação e pela Saúde. A preparação para a volta às aulas é essencial. Trabalhar com a prevenção nesse momento é cuidar para mitigar futuros efeitos psicológicos ou psiquiátricos em toda comunidade escolar. Uma coisa é certa: a tecnologia vai continuar fazendo parte da sala de aula e do cenário educacional brasileiro e as experiências positivas do ensino híbrido como respeitar a individualidade e o estilo de aprendizagem de casa aluno e aluna, uso de materiais digitais e a preocupação em formar cidadãos que saibam interagir no mundo digital com mais consciência, certamente ficarão e atenderão as exigências do atual século

É fato que as mudanças advindas com a pandemia trouxeram várias mudanças no cenário educacional brasileiro com a necessidade de utilizar tecnologias para instrução. Há várias inquietações em relação ao uso de tela e da eficiência do uso de tecnologia no processo educacional e no desenvolvimento humano. Enquanto as pesquisas se divergem, algumas recomendações podem ajudar na produção de caminhos possíveis: 

  • Uso de aplicativos para limitar o uso de tela independente da idade. 
  • Evitar a exposição à tela com crianças menores de 2 anos. 
  • Fazer acordos com os(as) filhos(as) sobre o uso de redes sociais e vídeo games.
  • Supervisionar crianças e adolescentes ao usar a internet ou smartphones.
  • Ao notar mudanças no comportamento, procure um profissional para orientação.
  • No caso de baixo rendimento escolar devido, procure a escola.

Toda mudança traz dúvidas e incertezas, estar aberto à mudança é uma habilidade essencial do século XXI. Com diálogo, informações respaldadas e apoio profissional, às mudanças e a adaptação ao novos possíveis caminhos se tornam mais leves para todos os envolvidos. 

Referências

JACOBS, Heidi Hayes. (2010, January). Chapter 1. A New Essential Curriculum for a New Time. iN: ________. Curriculum 21. ASCD, Jan. 2010. Artigo disponível neste link.
CHASSIAKIS, Y. Issues in Media: Selections from CQ Researcher. In: CQ Researcher. SAGE Publications, 2018.
ABCD study completes enrollment, announces opportunities for scientific engagement. National Institutes of Health. 3 dez. 2018. Artigo disponível neste link

Este artigo foi escrito por Mateus Jesus, orientador educacional e psicólogo, e Peter Wiggins, Instrutor de tecnologia educacional  e treinador do Google.

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