ChatGPT: reflexões sobre o uso da Inteligência Artificial em sala de aula

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Discussão em torno do ChatGPT e do Bard deve também abordar as oportunidades que a IA e outras tecnologias trazem para o processo de ensino e aprendizagem 

O uso da Inteligência Artificial (IA) na educação a favor do processo de aprendizagem dos(as) estudantes não é algo novo, mas uma novidade na área da tecnologia, a chegada de um novo aplicativo entre os(as) nativos(as) digitais está levando polêmica para dentro de escolas do mundo todo e promovendo discussões entre educadores(as) e especialistas em tecnologia educacional sobre seus riscos e benefícios. Estamos falando do ChatGPT, chatbot de IA desenvolvido pela startup OpenAI, especializado em diálogos e que é capaz de produzir textos, traduções, simular conversas de forma realista e responder questões presentes, por exemplo, nas atividades escolares. E na última semana, o Google anunciou o chatbot Bard para concorrer com o ChatGPT, assunto amplamente divulgado pelos meios de comunicação.

A ferramenta, assim como muitas outras, foi levada para as salas de aula e apresentada para professores(as) e gestores(as) a partir dos(as) próprios(as) alunos(as), nativos(as) digitais, que estão sempre atentos(as) às novas tecnologias e aos lançamentos de novos aplicativos e redes sociais. Os questionamentos sobre o novo recurso giram em torno, principalmente, dos riscos de desinformação, plágio e emprego do chat de forma indiscriminada pelos(as) estudantes. Tanto que há relatos de bloqueio do acesso ao chat em escolas públicas de Nova York e até mesmo no Ensino Superior em outros países. No entanto, o debate sobre o emprego do ChatGPT deve ser ampliado e não focado apenas nos temores sobre o uso desse recurso isolado, considerando também o papel dos(as) docentes e da própria família sob pontos de vistas diversos, como as oportunidades da Inteligência Artificial para a educação e a personalização do ensino

Para falar mais sobre o assunto, convidamos Camila Akemi Karino, CEO da Geekie, empresa referência mundial no emprego da IA na educação e já impactou mais de 12 milhões de estudantes brasileiros por meio de suas soluções que aliam a tecnologia com intencionalidade pedagógica, metodologias pedagógicas inovadoras e machine learning, entre eles, o Geekie One, plataforma de ensino baseada em dados e utilizada em mais de 570 escolas particulares de todo o Brasil.

Geekie: Nos últimos dois meses, o ChatGPT passou a ter destaque em veículos de comunicação de todo o mundo e a levar polêmica para dentro das escolas sobre suas vantagens ou desvantagens para o processo de aprendizagem. O que podemos, neste primeiro momento, falar sobre o emprego dessa e de outras ferramentas de IA em sala de aula?  

Camila Karino: Assim como toda tecnologia em surgimento, a chegada do ChatGPT não poderia ser diferente em termos de discussão e até polêmicas. Debater o tema se faz necessário, sobretudo pelo fato de ser algo novo, com impactos pouco conhecidos e, ainda, pelo fato de ser uma ferramenta gratuita e de livre e fácil acesso por qualquer pessoa. 

Qualquer ferramenta utilizada em prol do processo de aprendizagem merece atenção, cuidado e, acima de tudo, deve levar em conta a intencionalidade pedagógica de sua implementação no processo de aprendizagem. Não devemos trazer “modismos” para a sala de aula. Afinal, usar uma ferramenta apenas “por usar” pode não gerar os resultados de aprendizagem esperados e até mesmo pode gerar efeitos danosos.

Vale ressaltar que o ChatGPT não foi desenvolvido especialmente para fins educativos. É surpreendente como houve avanço na articulação de textos e na construção de linguagens, mas há ainda muitos pontos em desenvolvimento. Portanto, precisamos ainda ter muita cautela quanto ao emprego da ferramenta. Enxergar oportunidades e estar atentos e abertos para mudanças que esses avanços podem ocasionar é o melhor caminho para a implementação de algo novo, trazer isso para o debate é o nosso papel também. 

Geekie: Como os(as) professores(as) e gestores(as) escolares podem agir diante da novidade e do possível uso do ChatGPT por parte dos(as) estudantes? 

Camila Karino: Apesar da nossa ressalva por cautela, não podemos impedir o uso por parte dos estudantes. Nesse sentido, o  ChatGPT pode até soar como uma “ameaça” ao processo de aprendizagem a partir do momento em que se pensa nesse processo como algo que se reduz à obtenção de respostas prontas. Minha sugestão aqui é trazer para dentro da sala de aula a discussão aberta sobre o tema: falar dos avanços, limitações, dos usos inadequados, dos riscos. Precisamos empoderar os estudantes para que eles possam fazer as melhores escolhas e demonstrar que a escola está ciente do que está acontecendo de desenvolvimento pelo mundo. Buscar controlá-los será em vão. Adicionalmente, se a discussão sobre o ChatCPT estiver quente entre os(as) estudantes, use isso como elemento para provocar engajamento.  Como exemplo, o ChatGPT pode ser um aliado no estímulo ao desenvolvimento do pensamento crítico, da construção do conhecimento e até mesmo da própria criatividade. Um(a) professor(a) pode pedir aos alunos e às alunas que façam uma análise de uma resposta do ChatGPT a alguma questão ou temática específica. E a partir daí, é possível investigar quais teriam sido as fontes de referência do chat para construção daquela resposta, se todos os elementos ali escritos estão corretos, se as construções frasais estariam corretas, quais outras interpretações ou complementações àquela resposta poderiam ser dadas a partir do que foi construído e assim por diante. 

Geekie: Quais vantagens e desvantagens podemos citar sobre o uso do ChatGPT nas escolas?

Camila Karino: Não gosto muito de colocar vantagens e desvantagens. Isso caberia melhor se estivéssemos avaliando algo pronto para uso para fins educativos, o que não é o caso. Talvez, pudéssemos falar de oportunidades atuais e riscos. Dessa forma, além das sugestões de uso do chat que mencionei anteriormente (vantagens), ele pode ser utilizado como fonte de desenvolvimento de diferentes habilidades e competências a partir da intencionalidade do(a) professor(a) na sala de aula. Como exemplo de se estimular a criatividade poderia ser pedir ao ChatGPT para criar uma narrativa fictícia sobre uma temática e pedir para a turma completar, melhorar, incrementar a produção criativa, além de dar outras formas de vida àquela produção, por exemplo, fazer um novo conto a partir do que foi criado, um quadrinho, uma representação visual. Enfim, há caminhos e possibilidades que podem ser bem aproveitados e estimulados em sala de aula. 

Sobre os riscos, a inteligência artificial do chat ainda está em construção e evolução e, com certeza, nem todas as respostas ali obtidas estarão 100% corretas, precisas ou alinhadas ao entendimento dos(as) próprios(as) estudantes sobre o tema. A própria ferramenta traz essa informação, da possibilidade de aparecerem conteúdos tendenciosos e/ou inseguros nas interações e respostas.

A ameaça do ChatGPT nas escolas surge quando pensamos em educação como algo que emana de respostas prontas e pré-construídas, quando se pensa em educação como transmissão de conhecimento/informação e não como construção do conhecimento pelos(as) estudantes de forma mediada pela pessoa do(a) docente. Além disso, não se deve pensar no ChatGPT como única fonte de informação. Como já é sabido, desde o surgimento do Google e de outros mecanismos de busca, há uma gama enorme de informações e nem todas estão corretas e/ou precisas (vejam os efeitos atuais das notícias falsas e disseminação de desinformação). Dessa maneira, nem todas as fontes de informação de construção das respostas do ChatGPT serão precisas ou isentas de desvios ideológicos (há muitos exemplos de casos de ferramentas de inteligência artificial que reproduzem racismo e outras formas de preconceito, e o ChatGPT ainda não está isento disso). Os riscos, no final, também podem ser vistos como uma oportunidade de evoluirmos nossas propostas educativas. Estamos numa era, na qual o papel da escola é o desenvolvimento de formas de pensar.

Geekie: O ChatGPT traz preocupações com relação, por exemplo, ao plágio e também sobre a confiabilidade das respostas do chatbot. Proibir seu uso em sala de aula, como tem acontecido em outros países, é um retrocesso, assim como muitas pessoas ainda são sensíveis ao uso da tecnologia aplicada ao processo de ensino e aprendizagem?

Camila Karino: Quando surgiram os dispositivos móveis com o acesso à internet, um dos primeiros pensamentos e ações de diversas escolas foi banir o seu uso em sala de aula. Contudo, a proibição do uso não impedia que os(as) estudantes cruzassem os muros da escola para usarem tais dispositivos e, pior, sem o senso crítico, a empatia, a percepção ética que a escola poderia oferecer, trazendo tais elementos para o dia a dia escolar. E com isso, percebeu-se que banir não era a solução, mas, sim, trazer para dentro da sala e refletir criticamente sobre o seu uso, tal qual tem sido estimulado na BNCC para o desenvolvimento da cidadania digital. 

O mesmo raciocínio serve para o ChatGPT e quaisquer outras iniciativas que surjam. Todos os dias novas tecnologias são lançadas, novos caminhos e oportunidades surgem para evoluir não somente o processo de aprendizagem, mas a sociedade. Bani-las é tirar oportunidades e espaços de discussão crítica sobre os desafios que surgem com cada evolução. É tentar remar contra o processo natural. Por outro lado, isso não significa se empolgar com qualquer novidade que venha a surgir. Eu sempre defendo o meio termo. Precisamos ter sabedoria no emprego. 

Geekie: Indo além do debate em torno do ChatGPT, o que a Inteligência Artificial, de uma forma geral, já mudou ou está mudando a Educação Básica? Podemos citar a experiência da Geekie ao longo dos anos no emprego da IA? 

Camila Karino: Com certeza a Geekie é um bom exemplo do emprego da inteligência artificial na educação. Com intencionalidade pedagógica e com o uso de machine learning, já impactamos a vida de milhares de estudantes em todo o Brasil. Com o uso de dados e o aprendizado em cima deles, o Geekie One é capaz de fornecer planos de estudos personalizados, por exemplo, desempenhando um papel importante na personalização do ensino e estímulo à autonomia no aprendizado. 

Na história, o tema inteligência artificial apareceu na década de 50, quando o cientista J. McCarthy, da Universidade de Stanford, usou o termo pela primeira vez em uma conferência na Dartmouth University, nos Estados Unidos. Na ocasião, classificou teorias de complexidade, simulação de linguagem, redes neurais e máquinas de aprendizagem; na prática, sistemas de imaginação humana que usam a ciência da computação. 

Uma das chaves da inteligência artificial aplicada à educação é justamente a machine learning – um programa ou sistema que constrói um modelo preditivo a partir da análise de correlações entre os dados disponíveis para aplicar sobre dados não conhecidos. Esse sistema usa o modelo aprendido para traçar previsões úteis a partir de novos dados; o aprendizado de máquina também se refere ao campo de estudos relacionado a esses programas e sistemas. A machine learning é a prática de usar algoritmos para coletar dados, aprender com eles e fazer predição de algo. 

Geekie: Que dicas podemos dar aos professores e às professoras para identificarem o uso do ChatGPT nas atividades escolares e trabalhos? 

Camila Karino: A identificação do uso do ChatGPT não é fácil, pois, diferente de outras fontes de informação que já estão escritas (Wikipedia, páginas da internet, Google), ele se propõe a criar um texto novo a partir de um comando inicial. Assim, identificar a cópia não é simples, mesmo que a criadora do chat tenha anunciado uma ferramenta para detectar textos que foram gerados por IA.

Eu não entraria na onda de buscar identificar respostas feitas pelo ChatGPT ou qualquer outro recurso. Seria uma busca sem fim e não agregaria nenhum propósito ao processo educativo. O aprender é um processo que deve ser acompanhado por meio de várias fontes de evidências. Tenho certeza que o professor ou professora ao ver uma resposta muito pronta de um(a) estudante que não apresenta a mesma destreza em sala de aula vai desconfiar da autoria, como já se desconfiava antes. Lembrando que mesmo sem ChatGPT era comum ver práticas como a cópia da tarefa de casa do amigo ou pagar alguém para fazer no seu lugar. Ao invés de buscar provas da fraude, o que pode ser muito difícil, busque instigar mais o pensar do estudante na sala de aula: “que interessante a sua resposta, que implicações ela pode acarretar? Fale um pouco mais sobre isso, pode extrapolar com exemplos práticos…” Enfim, trabalhar as respostas construídas, diversificar os meios avaliativos e se apoiar mais em recursos nos quais os alunos precisam demonstrar evolução de suas habilidades são caminhos por onde devemos seguir.

Além disso, faz-se cada vez mais importante o trabalho de ética e cidadania nas escolas. 

Geekie: Com isso, a novidade também é uma oportunidade de trabalhar o assunto Ética e Educação Digital em sala de aula? É também uma oportunidade para abrir espaço para ir além da transmissão de informações e focar em questionamentos, exploração de ideias e pensamento crítico sobre o uso da IA?

Camila Karino: Sim, como mencionado anteriormente, as questões éticas envolvidas podem e devem ser trabalhadas em sala de aula. Não apenas em relação ao ChatGPT, mas em relação a todas as possibilidades que novas ferramentas e tecnologias trazem para a sala de aula. 

Na construção da disciplina de Educação Digital do Geekie One, trabalhamos sob o tripé dos riscos, desafios e oportunidades do mundo digital. E no trabalho dessas temáticas, é importante visualizar todas as oportunidades que novas tecnologias trazem para o processo de aprendizagem, bem como os riscos e também os desafios que essas transformações sugerem. 

A educação focada na transmissão de informação, em um mundo cujo acesso a qualquer tipo de informação e conhecimento são fáceis, já não é uma educação que realmente prepara estudantes para os desafios da vida por não estimular o desenvolvimento de habilidades e competências. Estar diante desse desafio de se ter inteligências artificiais que dão respostas prontas, como o ChatGPT, realmente estimula um novo olhar sobre o processo de aprendizagem, em que o pensamento crítico, a capacidade investigativa e a criatividade devem ser mais estimuladas do que a simples transmissão do conhecimento. É o momento de focar em uma aprendizagem mais ativa, significativa e personalizada.

Geekie: Camila, sobre o assunto que conversamos aqui, a Geekie está promovendo um encontro com especialistas em uma live gratuita para escolas de todo o Brasil. Pode falar um pouco sobre esse momento e convidar os(as) gestores(as) e professores(as) para que participem?

Camila Karino: Claro. Quero convidar a todos e a todas para mais uma edição do nosso Geekie Talks. Desta vez vamos falar sobre o uso do ChatGPT e do Bard no ambiente escolar e a proposta é ampliar a conversa e refletir sobre o papel da tecnologia com intencionalidade pedagógica e da Inteligência Artificial na personalização do ensino. As inscrições estão abertas e a participação é gratuita. Para participar, acesse o link e inscreva-se: https://materiais.geekie.com.br/geekie-talks-chat-gpt. Esperamos vocês lá!

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