Estudar só na véspera dos exames faz parte da cultura escolar, mas criou uma geração de estudantes que não sabe se preparar para provas de longa distância, como o Enem; tecnologia ajuda a contornar esse problema.
Cássio é um garoto brilhante. Criou um paradoxo na sala de aula: seus professores se acostumaram a ficar surpresos com ele. Associa dados e informações e conclui, invariavelmente, apontando para onde ninguém estava olhando antes. Pode faltar foco, mas Cássio tem talento, disto ninguém duvida. Ele pensa fora da caixa.
Denílson é um garoto metódico. Nunca surpreende os professores: faz tudo bem, com começo, meio e fim. Usa um programinha de computador para definir suas tarefas, com metas diárias, e é implacável quanto a prazos. Denílson não é inovador, mas esbanja consistência.
Se fosse possível fundir Cássio e Denílson teríamos o aluno ideal. A questão é que, neste nosso exemplo hipotético, Cássio e Denílson são “adversários”, concorrem à mesma vaga em Ciências da Computação em uma universidade federal no Enem 2015. Quem levará vantagem na maratona de preparação para a prova?
Denílson!
Nosso palpite é o de que Denílson se sairá melhor. Como já dissemos acima (e a imprensa não se cansa de repetir), o Enem é uma maratona. Ao contrário das provas de 100 ou 200 metros, nas quais o potencial físico é chave para o sucesso, a corrida de longa distância exige estratégia, ritmo, consistência. Quem não se programa, dança.
Aqui cabe uma pequena digressão. Veja bem, nosso palpite é de que Denílson se sairá melhor no Enem, não na carreira. Porque Cássio, com seu pensar-fora-da-caixa, tem o perfil dos sonhos de empresas inovadoras. Só que vestibulares são, por definição, processos massificados. E sua régua geralmente mede o domínio dos candidatos de conteúdos do ensino médio, não seu potencial nem sua criatividade.
Vamos admitir
Agora vamos esquecer por um instante Cássio e Denílson. Vamos pensar na esmagadora maioria dos estudantes. Ou melhor, vamos pensar em nós mesmos. Levante a mão quem, além de fazer a lição de casa, estudava todo dia. Se levantou a sua, parabéns: você é, de longe, a minoria.
A maioria de nós, vamos admitir, estudava mesmo na véspera das provas – em alguns casos, sejamos sinceros, no ônibus a caminho da escola. A questão é que isso pode funcionar para avaliações escolares, especialmente se o aluno prestou atenção à aula, mas não para o Enem.
Mãezonas
Pode-se levantar uma série de motivos para essa cultura da última hora. Alguns podem lembrar do jeitinho brasileiro, da mentalidade do improviso. Mas achamos que a estrutura das escolas pode ter a ver com isso. Elas às vezes lembram mães superprotetoras, tendem a dar tudo mastigado para o estudante, estimulam pouco a autonomia. No universo escolar, tudo parece girar em torno do binômio “eu cobro-você entrega”. Lendo ao inverso: “se eu não cobrar, você não precisa fazer nada”. E, no 3º ano do médio, a maior cobrança não vem do professor na sala de aula, vem de fora, vem do Enem.
A questão é que se preparar para o Enem exige uma mudança de mentalidade. Em muitos casos os alunos, mesmo os bons alunos, precisam se reinventar no 3º ano do ensino médio. Fazer três séries em uma só: a última do médio no dia a dia da escola e, em casa, a revisão do 1º e do 2º anos.
A maioria das escolas preocupadas em preparar melhor o aluno para o Enem usa a estratégia do pé no acelerador. No 3º ano, aceleram o andamento do programa para dedicar as semanas que antecedem a prova a revisões gerais do conteúdo do ensino médio. Em ano de Enem, aliás, revisão é a palavra de ordem – tanto que os cursinhos pré-vestibular fizeram disto um negócio bastante rentável.
Oportunidade jogada fora
Olhando do ponto de vista estritamente prático, o ponto frágil dessa estratégia é que sobra menos tempo para tratar de conteúdos importantes do 3º ano. Do ponto de vista conceitual, ele representa a perda de uma oportunidade: a de desenvolver a autonomia do aluno, característica sem a qual ele não sobrevive no ambiente nada paternalista da universidade.
Uma possibilidade que algumas escolas exploram na preparação para o Enem é a de ampliar o papel de tutores dos professores. O 3º ano é a época em que o aluno passa a enxergar o professor como sempre deveria fazer: como “o cara que vai ajudar a resolver meus problemas”, e não como “o chato que vive pegando no meu pé”. Essa busca do aluno de orientação sobre os estudos, sobre como atacar pontos fracos e inconsistências, pode ocorrer naturalmente, em conversas com os professores logo depois das aulas ou nos corredores. Mas o ideal é que sejam criados espaços e momentos específicos para isso, como as salas de plantão para tirar dúvidas.
Régua e compasso digitais
Outro caminho possível é utilizar soluções como o Geekie Lab, a plataforma de aprendizagem adaptativa da Geekie. Sempre que o aluno navega na plataforma, a inteligência artificial que desenvolvemos (semelhante à do Google) mapeia o que ele sabe e o que ele não sabe. A inteligência artificial prepara e atualiza planos de aula e orienta a navegação do estudante por um acervo de mais de 600 aulas em uma sequência que faz sentido do ponto de vista pedagógico. Com os pontos fracos mapeados, as avaliações periódicas e o conteúdo para revisão, cada aluno ganha a régua e o compasso para traçar ele mesmo seu caminho – de quebra, a plataforma fornece a sequência pedagógica, o “calendário” dos treinamentos. É a tecnologia a serviço da personalização do ensino.
O ideal é que o binômio “personalização-autonomia” prevalecesse sobre o “eu cobro-você entrega” em todas as etapas do ensino. Enquanto isso não vem, que pelo menos ele torne menos árdua e mais “científica” a preparação para a maratona do Enem. Se liga, Cássio!
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