Debora Garcia discorre sobre a similaridade entre o perfil profissional que o Google busca e a escola contemporânea. Ao aluno, não basta mais deter conhecimentos – torna-se necessário aplicá-los no dia a dia. Confira!
Vamos imaginar a seguinte situação hipotética: um jovem brasileiro, educado nas melhores escolas, adora tecnologia e faz muitos cursos de aperfeiçoamento na área, pensando na sua futura carreira. Com grande esforço pessoal, vai parar em uma universidade de enorme prestígio. No início tudo são flores e ele está empolgado com a aprendizagem, mas com o tempo, se encanta com a vida agitada e boêmia do campus e acaba tendo um rendimento mediano durante seu curso – apesar de ter passado em um vestibular muito disputado e para o qual dedicou meses de preparo.
Esse mesmo jovem tem características bem demarcadas: é impetuoso, porém nem sempre gosta de trabalhar em grupo. De alguma forma aprendeu que fazer tudo a seu modo permite que atinja resultados com mais facilidade. Afinal, foi assim, com seu próprio esforço e mérito, que conseguiu entrar em uma ótima universidade, ele reflete. Por causa de toda essa trajetória, também se leva em alta conta, muitas vezes julgando-se o herói da situação, sendo considerado por seus pares como arrogante e individualista em algumas situações.
Acabada a faculdade, com diploma em mãos, ele se acha mais do que apto a concorrer a uma vaga no Google (seu sonho de adolescência em uma das empresas no topo do ranking das mais desejadas do mundo quando o assunto é trabalho). Mas ele bate na trave e se decepciona. Não vai adiante no processo seletivo que ele acreditava estar “no papo” e em algum momento ouve dos entrevistadores que ele não tem o perfil para a empresa. O que deu errado? Ele tinha “tudo” pra ser selecionado, pensava o garoto.
O que busca o maior buscador mundial?
O Google recebe uma média de 2 milhões de currículos por ano. Um número avassalador de interessados que pleiteia uma vaga de trabalho em um dos maiores gigantes da tecnologia e inovação do planeta. E o jovem protagonista da nossa história não é diferente. Está no meio desses milhões de candidatos que sonham em entrar para o quadro da cobiçada corporação do Vale do Silício. Mas o que ele não sabe é o que de fato interessa à empresa.
Com um clima de trabalho intenso e muito exigente, o Google está sempre em busca dos melhores perfis, de gente eminentemente boa para tornar-se membro de sua equipe. Os gestores de lá costumam dizer que fazer uma faculdade de prestígio não é exatamente o que eles mais valorizam. E a explicação é a seguinte: é melhor um perfil que tenha vindo de uma universidade mediana, mas com uma atitude inovadora, corre atrás de novidades e fazendo a diferença, do que um aluno mediano de um uma badalada universidade. O que está em jogo são as “mentalidades diferentes”, aqueles perfis profissionais que podem agregar valor real ao negócio.
E agora, mais uma outra surpresa que vai na contramão do senso comum em torno do Google: não é necessário que o(a) candidato(a) tenha conhecimento ou experiência prévia com tecnologia. A não ser, claro, se for para trabalhar nessa área diretamente. O que se valoriza por lá é a inteligência e a capacidade cognitiva da pessoa. Mais ou menos assim: o quanto o(a) profissional consegue aprender em termos de novos conteúdos, estabelecendo novas correlações e hipóteses e tornando-se apto(a) a resolver problemas de maneira propositiva e criativa.
Eles também buscam perfis com liderança. Isso não quer dizer que queiram pessoas com vontade de chefiar equipes e de mandar. O que se quer são pessoas com iniciativa e capacidade real de mobilizar times de colaboradores. Exemplo: andou pelo corredor da empresa e viu algo errado? Conserte. Ou procure quem possa oferecer ajuda imediata. Não espere que um superior o peça para fazer algo.
Outra característica altamente desejada na empresa que dita o ritmo da evolução digital no mundo: ser alguém interessante com quem seja prazeroso trabalhar. Nesse sentido, não há lugar para pessoas arrogantes, individualistas ou que se considerem heróis das situações, sem levar em conta o conjunto. Lembram do nosso jovem impetuoso e cheio de si do início do artigo? Então, dá pra perceber que ele não era mesmo o perfil da empresa.
Além desse conjunto de características que estão mais ligadas à atitude e à forma de elaborar pensamentos próprios e soluções criativas para problemas reais, alguém que trabalhe na empresa também tem que ter o que eles denominam de “
”. São aqueles que têm no DNA o
desejo de realizar coisas, de entregar. Pra isso nem sempre um apego à hierarquia ou a estruturas rígidas é bem-vindo. Quando algo precisa ser feito a atitude desejada não é esperar por uma ordem, mas seguir adiante com responsabilidade e competência.
O Google e o modelo de escola inovadora que queremos
Mas por que é importante saber o que busca o Google em termos profissionais? Bem, minha suspeita é simples. Uma das razões mais óbvias é que é impossível conceber o mundo contemporâneo sem considerar essa ferramenta de busca que já virou sinônimo de oráculo para muitos de nós. Não é à toa que eles usam o bordão: “
se existir, está no Google”. Estamos falando de um gigante da informação, sendo o buscador mais utilizado do planeta. Atendendo a nada mais, nada menos, que 4,5 bilhões de pessoas em 160 países do mundo. E detendo uma variedade de outros produtos tão fascinantes quanto a própria empresa-mãe: Android, Gmail, Google Maps, Google Plus, Youtube… Basicamente não é possível pensar a contemporaneidade sem sermos atravessados por algum serviço ou produto da imponente corporação de Larry Page e Sergey Brin. Trata-se de uma instituição que, para o bem ou para o mal, dá o tom e ritmo da evolução digital a que estamos todos submetidos, quer gostemos disso ou não.
Uma rápida olhada no Google Trends, por exemplo, mostra que os tópicos mais procurados da semana tiveram relação direta com a temporada de furacões no sul dos EUA, com a política de Trump e também com a ameaça iminente de guerra contra a Coréia do Norte. O Google é também termômetro. Bússola. Compasso. Mapa. Guia. Quase um Santo Graal da pós-modernidade. Nisso reside sua incomensurável importância.
O século XXI traz desafios enormes para a educação das novas gerações. As tecnologias estão cada vez mais presentes em sala de aula e os alunos precisam estar preparados para atuar de forma competente em um mundo em transformação constante.
Para o aluno desta nova era, não basta deter conhecimentos. É preciso articulá-los, aplicá-los na vida tangível, é importante saber dividir os conhecimentos obtidos, a ter consciência crítica, criando ambientes favoráveis para troca de conhecimento.
Isso é certamente mais valioso do que saber de memória os afluentes do Rio Amazonas. Até porque isso se encontra rapidamente em uma busca no Google!
De alguma maneira o mundo em que vivemos parece moldar-se exatamente para a produção exponencial de conhecimento. Algo tão veloz quanto os problemas que se apresentam a nós diariamente e que precisam ser entendidos, encaminhados, solucionados.
Se há algo para se aprender com o Google em termos bem práticos, é perceber o que eles valorizam em termos de aprendizado e modelos de educação, gerando valor com esse processo todo. Fica aí a dica para navegarmos com um pouco mais de destreza em meio aos desafios e à complexidade do século XXI.
* Débora Garcia é Pedagoga, Mestre em Educação pela UFF, Fulbright Scholar pela Georgia State University, GA e Especialista em Gestão do Conhecimento pela Coppe-UFRJ. É gerente de Conteúdo do Canal Futura e uma das autoras do livro “Destino: Educação – Escolas Inovadoras”, publicado pela Fundação Santillana/Ed. Moderna. Em 2017, em conjunto com Daniela Kopsch e Daniela Belmiro, idealizou e criou o blog “3Devi”, um espaço para contos, ensaios e reflexões da mulher contemporânea. Acesse o blog em https://medium.com/3devi e entre em contato: deborag@futura.org.br
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