O ensino híbrido, que alia aulas convencionais a conteúdos online e abre caminho para a personalização da educação, é considerado uma das tendências mais consistentes no panorama em ebulição da escola moderna.
Mas falta ao professor um guia de como colocá-lo em prática. Aliás, faltava, porque já existe um curso online criado especialmente para brasileiros pela Fundação Lemann, em conjunto com o Instituto Península.
“A tecnologia permite personalizar o ensino, mas não havia nada estruturado no Brasil para ajudar o professor a ser protagonista nesse processo”, diz Flavia Goulart, gerente de Inovação da Fundação Lemann. “Secretarias de Educação e escolas investiram em hardware e mesmo em soluções boas de software, mas o professor ainda está fora do mundo digital – ele não foi formado com o uso da tecnologia. Muitas vezes acaba utilizando os recursos digitais da mesma forma que fazia antes. Assim o tablet é usado só para ler um livro.”
O curso está sendo oferecido na plataforma do Veduca, portal que reúne aulas de universidades brasileiras e do exterior, em dois formatos. O gratuito já está disponível. O pago, que custará R$ 477, entra no ar em março. São 10 aulas, em um programa de 50 horas, previsto para durar 4 meses. Nesse modelo, a turma será fechada, com até 300 participantes, que terão direito a certificação e a itens exclusivos, como tutoria e material didático adicional. A intenção da Lemann é formar quatro turmas fechadas por ano.
Além de módulos gerais, o curso tem aulas específicas sobre todos os elementos envolvidos no processo de introdução do ensino híbrido:
- O professor – Na educação tradicional o professor tem o domínio do conteúdo e o passa para o aluno. Mas ele precisa mudar seu papel, caminhando para se tornar um mediador, exercer um papel de mentoria que vai deixá-lo mais próximo de cada aluno individualmente. O professor pode, por exemplo, supervisionar o trabalho de um aluno que faz exercícios de frações em uma plataforma online enquanto explica um conceito matemático para outro estudante.
- Espaço – Também é afetado pela tecnologia. Em lugar da estrutura rígida da classe com a atenção totalmente voltada para o professor e a lousa, tablets e laptops permitem que os estudantes se revezem em estações de trabalho.
- Aluno – Agora o estudante tem autonomia para buscar conteúdos, por exemplo. Como trabalhar esse protagonismo? Com cada um aprendendo no seu ritmo, haverá alunos que chegarão em algumas disciplinas ao nível de faculdade, como já acontece com a Khan Academy.
- Softwares – O curso vai apresentar aos professores produtos já testados que tem desempenho positivo na melhoria do aprendizado, como a plataforma da Geekie.
- Avaliação – Essa é outra área a ser repensada com o avanço de tecnologia. Se já existem tecnologias que permitem fazer avaliações em tempo real, as provas trimestrais ainda fazem sentido?
- Cultura da escola – Professores com maior domínio da tecnologia tendem a levar coisas novas para a escola, que precisa se acostumar com essa dinâmica e estimulá-la. A direção tem de identificar os profissionais inovadores e permitir que eles ajudem os colegas. Além disso, há a questão dos alunos. Com maior autonomia em sala de aula eles podem, naturalmente, querer interferir mais na vida da escola.
- Gestão – Diretores e coordenadores pedagógicos precisam ter um enfoque completamente novo para a questão da tecnologia. Um desses pontos é o da mudança do papel da Tecnologia da Informação (TI) na escola. Hoje, muitas vezes, o profissional de TI é um técnico que vai à escola uma vez por mês para fazer a manutenção do laboratório. Com a incorporação de tecnologia será preciso solucionar problemas mais complexos, com estruturas maiores. As decisões de compra de equipamentos e softwares também serão muito mais estratégicas.
“Nosso principal objetivo é o de que o professor que termina o curso possa tirar o melhor da tecnologia nas suas aulas”, diz Flavia. “Não é só uma questão de software e conteúdo. É mudar os elementos de como ele organiza a aula, sobre qual é o seu papel e qual é o do aluno.”
No processo de montagem do curso, a Fundação Lemann e o Instituto Península criaram no ano passado um laboratório de experimentação, com 16 professores de escolas públicas e privadas de vários Estados. “Eles não tinham necessariamente domínio da tecnologia, mas vontade de aprender”, diz Flavia. Com a tutoria de especialistas, o grupo foi testando soluções e criando planos de aula adotados com seus alunos. Os resultados de cada projeto eram discutidos com tutores e com os demais professores do grupo.
“Mas também olhamos muito para fora do Brasil”, diz Flavia. Para desenvolver o curso a Lemann fez uma parceria com o Christensen Institute, entidade criada por um professor de Harvard que é considerada autoridade mundial em tecnologias disruptivas. Equipes da fundação também visitaram referências em ensino híbrido, como unidades da rede de escolas charter (que recebem recursos públicos, mas tem autonomia para operar) Summit Public Schools do Vale do Silício. A Summit tem a maior parte dos alunos no ensino fundamental 2 e no médio.
Um dos aspectos que chamou a atenção de Flavia em uma unidade da Summit foi a diferença entre duas prateleiras que ficavam lado a lado. A de livros estava cheia e a de computadores, quase vazia, mostrando a pegada tecnológica dos alunos. “São escolas sem paredes, de ambiente aberto, dinâmico. Cada aluno estuda no seu próprio ritmo, com autonomia, e eles trabalham muito com projetos”, diz Flavia. “O professor tem seu ‘painel de controle’ e sabe, a cada momento, onde o aluno está.”
Para a gerente de Inovação da Lemann, as transformações causadas pela tecnologia na educação não podem ser medidas em questão de décadas, mas de anos. “Em Sobral, no interior do Ceará, os alunos usam Khan Academy. Nos próximos 3, 4 anos, veremos muita escola pública usando tecnologia”, diz Flavia. “Sem falar que em 15 anos os professores já serão nativos digitais.”
Depois do conteúdo de ensino híbrido, a Lemann vai lançar mais dois cursos. Um será de formação de diretores para a boa gestão escolar e vai ficar disponível na plataforma americana Coursera. “Já temos o conteúdo do curso presencial e estamos adaptando para o formato de curso online aberto e massivo (Mooc, na sigla em inglês)”, revela Flavia.
O outro curso, sobre como se deve conduzir o processo de alfabetização, será dado pela professora Magda Soares, uma das maiores especialistas do Brasil nessa área. As videoaulas ficarão disponíveis na plataforma do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), parceiro do projeto, e em outra plataforma de Mooc, que a Lemann ainda não divulgou.