Conheça a escola indígena Kanindé, no Ceará, e saiba mais sobre a etnopedagogia!

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Escola Indígena Kanindé

No Ceará, existe uma experiência singular de educação inovadora que merece nossa atenção e respeito. É a escola Indígena Manoel Francisco dos Santos, mais conhecida como escola Kanindé, por representar exatamente a resistência e cultura desse povo.

O povo Kanindé

No Sítio Fernandes, no município de Aratuba, a 148 km da cidade de Fortaleza, está o povo Kanindé. Com uma população de 185 famílias, eles vivem no pé da serra do Pindá, formando um grupo de quase 800 pessoas, entre crianças, jovens e idosos. Alimentam-se basicamente do que plantam: milho, feijão, fava, arroz e mamona. E também da caça de animais, como o mocó, preá, jirita, tatu, juriti e o teiú. Bastante combativos e organizados, os Kanindé têm reivindicado seus direitos há muitos e muitos anos, conquistando 300 hectares do que se chama de terra de gia (local utilizado para plantio de legumes). Esse território seria incluído na desapropriação do INCRA por uma fazenda local e obviamente a articulação indígena deflagrou um período de muitos conflitos entre os que pleiteavam esse pedaço de chão.
Além da luta pela terra, também têm um outro ideal defendido com afinco: a educação. E, a partir dessa visão de mundo, que passa sobretudo pelo processo permanente de aprendizagem de seus membros, idealizaram e fundaram a Escola Kanindé. Há uma década a instituição vem mostrando que a perpetuação da cultura indígena é possível de ser realizada em diálogo constante com uma sociedade contemporânea baseada na tecnologia e na velocidade, como a nossa. Fruto de uma ação autônoma da comunidade, o que a tornou possível politicamente, já nasce com a marca da inovação, tanto em seu discurso como em suas práticas. O que faz da escola um exemplo muito interessante de experimentação de abordagens, metodologias e conteúdos diferenciados, é justamente a capacidade de negociar esses saberes que são essencialmente ancestrais, articulando-os com os conhecimentos e práticas do “mundo lá fora”, o mundo dos brancos.

Construindo uma Etnopedagogia

Os conteúdos tratados na escola não deixam de lado assuntos convencionais como Matemática, História, Geografia e a Língua Portuguesa. Nem se desligam da contemporaneidade, dedicando atenção à tecnologia e seus artefatos. No entanto, não abrem mão de disseminar e perpetuar conhecimentos oriundos da cultura Kanindé, como ritos, hábitos cotidianos, alimentação e a relação com a natureza. Uma das filosofias da escola aplicada no seu dia a dia é o respeito ao outro e a busca constante por uma aprendizagem que seja consistente o suficiente para preparar seus alunos para a vida acadêmica futura, capacitando-os para quaisquer carreiras universitárias que pretendam seguir.  A ideia é que da Escola Kanindé saiam alunos com domínio dos conteúdos que alicerçam sua entrada no Ensino Superior, sem esquecer de suas origens indígenas.  E o sonho do Cacique Sotero, diretor da escola, é que esses jovens um dia possam voltar para a comunidade e aplicar o que aprenderam “lá fora” em seu território de origem. Fazendo, dessa forma,  mover um círculo virtuoso de aprendizagem/crescimento intelectual/valorização da cultura e pertencimento étnico.
Especialistas em educação indígena salientam que uma orientação pedagógica generalista, que não inclua e considere os interesses das comunidades étnicas em que estão inseridas, eventualmente excluindo suas manifestações culturais dos processos de aprendizagem, acaba por desconsiderar repertórios riquíssimos de saberes e práticas, muitas vezes dificultando a apropriação de conteúdos curriculares convencionais pelos alunos.
Justamente por isso a Escola Kanindé aposta em uma aprendizagem compartilhada, significativa, onde alunos, professores, gestores e comunidade trabalhem com projetos pedagógicos nascidos de seus ambientes de convivência, sempre em uma perspectiva de ampliação de saberes. A comunidade indígena é fonte permanente de soluções e caminhos para uma aprendizagem engajada e competente.  

Um leque de saberes para os Kanindé

A escola oferece ainda oficinas e cursos instigantes e inovadores, como a formação de cineastas indígenas que contou com o apoio da Secretaria de Cultura do Governo do Ceará e foi ministrada por profissionais Jenipapo-Kanindé. Lá também é possível aprender mais sobre o artesanato com sementes e penas, participar de oficinas de caça, descobrir a fascinante medicina tradicional indígena, saber mais sobre pinturas corporais e se debruçar sobre a produção de artesanatos com madeira e cipó. A gama de aprendizagens é vasta e para lá de interessante!

Museu Kanindé

A comunidade indígena investe na escola e também orienta seus esforços na gestão e promoção de espaços de preservação da memória e da identidade como o Museu Kanindé. Em parceria com o Instituto Brasileiro de Museus, foi fundado o Museu Indígena Jenipapo Kanindé, também selecionado no edital Ponto de Memória do Ministério da Cultura. O espaço propõe que os visitantes conheçam a indumentária, o artesanato e os utensílios característicos da etnia Jenipapo-Kanindé, tendo acesso a um acervo de adornos plumários, armas, artefatos de ritual mágico, cerâmicas, instrumentos musicais, tecelagem, trançados e utensílios. E não fica de fora um enorme acervo fotográfico da aldeia, tornando a visita ainda mais curiosa. Para garantir o aspecto educativo da instituição, membros da juventude indígena realizam formações e visitas guiadas, sempre tendo em vista a preservação da memória.
Então, gostou dessa iniciativa? Você pode conhecer mais sobre sua história assistindo a um dos episódios da série “Janelas de Inovação”, criada pelo Canal Futura em parceria com a Fundação Telefônica, com apresentação da filósofa e escritora Viviane Mosé. Clique aqui.
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* Débora Garcia é pedagoga, mestre em Educação pela UFF, Fulbright Scholar pela Georgia State University, GA, e especialista em Gestão do Conhecimento pela Coppe-UFRJ. É gerente de conteúdo do Canal Futura e uma das autoras do livro “Destino: Educação – Escolas Inovadoras”, publicado pela Fundação Santillana/Ed. Moderna. Em  2017, em conjunto com Daniela Kopsch e  Daniela Belmiro, idealizou e criou o blog “3Devi”, um espaço para contos, ensaios e reflexões da mulher contemporânea.

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