Avaliações pautadas em critérios, expectativas e objetivos de aprendizagem claros e bem informados para toda a comunidade escolar. Esta é uma das formas de substituir a postura reativa de educadores por uma função orientadora do desenvolvimento dos estudantes. Confira a importância dessa mudança no artigo de estreia de Glauci Oliveira, designer pedagógica da Geekie.
Ao longo dos anos, quando falamos do contexto educacional brasileiro, o termo avaliação está quase que intrinsecamente associado às ideias de quantificação, hierarquização e classificação, fazendo com que haja, ainda que implícita, uma relação de poder entre as interações educadores-educandos. Em geral, esse contexto de assimetria expõem-se quando tarefas só são valorizadas quando “valem nota”, ou até mesmo, quando o sistema de pontuação é utilizado para controlar o comportamento dos/das estudantes.
Assim, nesse sistema tradicional de ensino o termo avaliação possui sentidos que variam entre poder e controle, ansiedade, desconforto, frustração e impotência. Nesse contexto, a atividade avaliativa possui a função de disciplinadora de comportamento, estando descrita apenas nas provas e boletins.
Em termos de tomada de decisões pedagógicas, esse tipo de avaliação classificatória permite apenas que docentes qualifiquem a aprendizagem com base em uma nota ou conceito ao final de um longo processo de ensino. As decisões pedagógicas, nesse cenário, são sempre reativas, colocando professoras e professores na posição de bombeiros: após cada atividade avaliativa, só lhes restam apagar incêndios. Esse cenário caótico, de pouca visibilidade em termos de desempenho acadêmico e com várias tensões nas interações entre docentes e estudantes, ainda representa o cotidiano da maioria das escolas de hoje.
Novos olhares para a avaliação pedagógica
Há anos tem-se discutido sobre a necessidade de lançarmos novos olhares para o momento de avaliação. Olhares que agreguem novas ferramentas e permitam a tomada de decisões pedagógicas mais conscientes e proativas. A didática francesa de Brousseau (2008) e Perrenoud (1999) trazem, desde o final do século passado, fortes argumentos sobre as relações existentes entre docentes e estudantes e como precisamos estudá-las e compreendê-las, principalmente no momento de atividades avaliativas.
Esses autores baseiam-se numa tríade indissociável aos processos de ensino e aprendizagem formada por docente-educando-saber. Para eles, as relações entre os componentes dessa tríade acontecem com base na premissa de que estudantes e docentes possuem papéis e obrigações específicas: aos primeiros cabe o aprender, e aos segundos o ensinar.
Apesar de parecer simples e óbvio, quando olhamos para essas relações entre educadores e estudantes percebemos vários elementos que interferem na qualidade dessas interações, dentre eles a avaliação. E é sobre a influência desse elemento que vamos centrar nossa atenção.
A avaliação costuma servir como documento evidencial do saber. Isso significa dizer que como prática em sala de aula, a atividade avaliativa tem um grande valor não apenas para docentes, mas também para os demais agentes da comunidade escolar, incluindo as famílias. Então, o que podemos fazer como educadores, para que esse impacto tenha um feito mais construtivo?
Enxergar as múltiplas inteligências
Primeiramente e fundamentalmente, precisamos ver nossos/nossas estudantes como seres humanos compostos por múltiplas inteligências (GARDNER, 1995) e de experiências prévias variadas, que os/as definem e ajudam a construir seus processos de desenvolvimento. Em outras palavras, o que precisamos é de uma mudança de mindset.
O domínio da sala de aula não está no poder de avaliar os/as estudantes, mas sim de orientá-los e orientá-las em seus processos de desenvolvimento tanto acadêmico quanto social e pessoal. Essa mudança de pensamento é fundamental e sem ela nenhuma ferramenta ou metodologia de avaliação será realmente eficaz.
A importância do “Contrato Didático”
Uma vez construída essa visão empática dos nossos educandos como sujeitos em desenvolvimento, por isso passíveis de erros, começaremos também a valorizar esse processo de desenvolvimento, incluindo seus erros. E o que fazer para amenizar as ansiedades de tal processo?
Perrenoud defende fortemente que haja clareza no “Contrato Didático”. Esse contrato nada mais é do que o conjunto de regras existente, muitas vezes implicitamente, que permeiam as interações de docentes-educandos-saberes. Em termos de avaliação, é fundamental que as regras/critérios, bem como os objetivos da atividade avaliativa sejam claros para todos os agentes, docentes e estudantes.
A tomada de consciência sobre o que se espera ao final do processo de aprendizagem é uma forma de começarmos a construir a autonomia e a autocrítica nos nossos educandos. Além disso, ajuda a harmonizar as interações entre educadores e estudantes – sem desvalorizar o processo de avaliação.
Obras citadas e dicas de leitura:
PERRENOUD, Philippe. Dez novas competências para ensinar. Paris: ESF, 1999.
BROUSSEAU, G. Introdução ao estudo da teoria das situações didáticas. São Paulo: Ática. 2008.
GARDNER, Howard. Inteligências múltiplas: a teoria na prática. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.
*Glauci Oliveira é licenciada em Ciências Biológicas pela UFRPE e Macquarie University, mestranda em Educação pela Faculdade de Educação da USP (FEUSP), dentro da área de Letramento Científico, Matemático e Tecnológico, sob orientação do Professor Agnaldo Arroio. É integrante do projeto Desenvolvimento Educacional de Multimídias Sustentáveis (DEMULTS), que tem como principal objetivo estimular o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação no âmbito escolar, por meio de metodologia participativas. Na Geekie atua como designer pedagógica do Geekie One.