3º encontro do Circuito Geekie, realizado em 22 de abril, mostrou que ao incorporar resultados de avaliações em suas práticas pedagógicas, educadores(as) podem fazer intervenções mais precisas e direcionadas para melhorar o desempenho dos(as) estudantes
Usar o resultado de avaliações para apoiar o processo educativo sempre foi um grande desafio para as escolas. Para ajudar gestores(as), coordenadores(as) e educadores(as) a analisar e interpretar esses dados e incorporá-los na prática pedagógica, o terceiro de sete encontros online do Circuito Geekie trouxe a formação “Dados e evidências para potencializar o desempenho acadêmico de estudantes”, realizada em 22 de abril e ministrada pela Camila Karino, diretora pedagógica da Geekie.
Para iniciar a exposição, Camila lançou uma questão aos participantes:
“Quando você recebe o resultado de uma avaliação, quais perguntas e reflexões vêm à sua cabeça?”.
Segundo ela, é comum que o foco seja no resultado e envolva observações e questionamentos como “será que os(as) alunos(as) aprenderam?, “a média da minha escola aumentou ou diminuiu em relação às outras” e “eu sabia que esse(a) estudante iria ter um baixo desempenho na prova”.
Mas, a provocação que a especialista faz é dar um passo além e olhar para o processo:
“Essa é a grande reflexão que vários pesquisadores e estudiosos propõem. É importante sim considerar os resultados porque eles mostram o que aconteceu, um retrato atual do estágio em que a gente está, mas não devemos parar por aí. É preciso ver como podemos atingir os objetivos que não foram alcançados e o que podemos fazer para melhorar o desempenho dos(as) estudantes.”
A importância desse novo pensamento, segundo ela, é colocar os(as) professores(as) e a coordenação como parte responsável e atuante no processo. “Essa postura é essencial para mudar a cultura escolar e para que, de fato, a avaliação não fique só no diagnóstico. Ela deve ser o primeiro passo para o(a) professor(a) rever suas práticas e refletir sobre o que pode fazer de diferente para que os(a) alunos(as) tenham resultados melhores.”
AVALIAÇÕES INTERNAS
Camila lembrou que os dados e evidências vêm de dois grandes tipos de avaliações – as avaliações externas [veja na sequência] e as avaliações internas.
As avaliações internas são aquelas desenvolvidas pela própria equipe escolar, com determinada periodicidade, e podem ser:
- avaliações somativas, que mostram os resultados alcançados ao fim de um percurso de aprendizagem, como as provas bimestrais e semestrais;
- avaliações formativas, que são aplicadas para saber como está a participação, o engajamento e o desempenho dos(as) estudantes nas atividades propostas, com o objetivo de melhorar o processo de ensino e aprendizagem.
A especialista citou o autor John Hattie, que pesquisa o impacto das avaliações na aprendizagem. Ele diz que quando as práticas de avaliação formativa são integradas nas atividades de sala de aula, é possível aumentar substancialmente a velocidade de aprendizagem na ordem de 70% a 80%.
Interpretação pedagógica dos dados e a importância dos momentos de reflexão
Para mostrar na prática como considerar dados de avaliações formativas para guiar decisões pedagógicas em sala de aula, Camila pegou o exemplo de dois gráficos que mostravam a entrega de atividades e o desempenho nessas atividades de uma determinada aluna e os comparava com a sua turma e série. Ela pediu, então, para os(as) participantes analisarem os dados.
“Quando nos focamos no resultado e na estudante, com comentários como ‘ela deixou de realizar algumas atividades’ e ‘o desempenho dela está pior do que o restante da turma’, parece que não há muito o que fazer. Mas, se olhamos para o processo, com perguntas como ‘tem algumas disciplinas nas quais ela está bem interessada’, ‘o que a leva a essa participação tão diferente?’ e ‘quais estratégias podem funcionar melhor para ela melhorar o desempenho?’, isso possibilita mexer no processo e fazer com que o próximo resultado seja diferente.”
Mas para isso, segundo Camila, é fundamental que a escola oportunize momentos de reflexão para que os(as) professores(as) compartilhem práticas e olhem para o resultado do(a) aluno(a) em termos processuais e em um contexto mais macro – por exemplo, como é o seu desempenho em outras disciplinas e se determinado resultado foi pontual ou é recorrente. “Além disso, a continuidade do acompanhamento permite uma visão cada vez mais completa do(a) estudante e intervenções mais precisas, sem deixar nenhum estudante para trás.”
O papel da tecnologia
Uma vez que se reconhece a importância dos dados e há interesse em usá-los, o grande desafio passa a ser como obtê-los e organizá-los para começar a trabalhar com eles(as). Camila aponta que essa dificuldade era ainda maior quando não havia a tecnologia a nosso favor. “Hoje, há diversas plataformas que organizam os dados, geram planilhas e relatórios e permitem o acompanhamento em tempo real e com diferentes focos de análise – de cada estudante, turma ou série. Também possibilitam planos de estudo e ações personalizadas, além do uso de métricas e resultados comparativos para análises ao longo do tempo.”
Ela diz, no entanto, que a interpretação crítica da equipe pedagógica é fundamental. “O dado é frio e mostra o cenário. A decisão do que fazer é do corpo pedagógico. Por isso, são essenciais os momentos de diálogo e interpretação qualitativa para a tomada de ação”.
AVALIAÇÕES EXTERNAS
A especialista também abordou as avaliações externas e deu exemplos de como utilizar esses dados para gerar evidências e guiar mudanças no processo pedagógico. Essas avaliações, como o Saeb e o Enem, são realizadas por órgãos externos, como o Inep, e possuem matrizes avaliativas próprias. Em geral, avaliam habilidades e competências e utilizam metodologias como a Teoria de Resposta ao Item (TRI), que permite comparação ao longo do tempo.
De acordo com ela, a grande vantagem para as escolas ao usar esses dados é ter um posicionamento de seu desempenho em relação a outras instituições, segundo os critérios de aprendizagem considerados essenciais pelo Ministério da Educação.
Levando em conta a pontuação do Enem por áreas de conhecimento, por exemplo, ela sugere novamente, que os questionamentos não foquem nos resultados, como “minha escola não está entre as de melhor desempenho” e “quais conteúdos meus alunos e minhas alunas não dominam?”, mas na melhoria do processo. Nessa perspectiva, perguntas “como posso ajudar os(as) estudantes a avançarem de nível?” e “o que esses resultados dizem sobre o meu processo de ensino?” poderiam contribuir de maneira mais efetiva para a implementação de ações capazes de levar os(as) alunos(as) a mudarem de patamar de conhecimento.
Como os dados podem guiar as ações
Nesse sentido, ela aponta que seria importante ter uma visão mais detalhada, como a distribuição dos(as) alunos(as) de uma turma por níveis de proficiência em determinada área – por exemplo, em ciências da natureza, quantos estudantes estão no nível 1 (até 450 pontos), no nível 2 (de 450 a 600 pontos), nível 3 (de 600 a 700 pontos) e nível 4 (acima de 700 pontos).
Assim, segundo ela, é possível identificar as barreiras cognitivas que cada grupo teve, que o impediu de passar para o nível seguinte, e trabalhar o desenvolvimento dessas competências e habilidades com cada grupo de forma diferenciada. Isso pode ser feito com propostas de atividades específicas, para que todos(as) possam superar esses desafios e avançar de nível.
“Com esse detalhamento, o(a) professor(a) tem consciência do que os(as) alunos(as) dominam e no que precisam de apoio. Esses dados, evidências e resultados fazem com que ele(a) tenha uma precisão muito maior na intervenção e consiga mudar de fato o processo de ensino.”
Flexibilidade e intervenções no planejamento inicial
Outro desafio para os(as) educadores(as) é como incorporar no dia a dia, na aula que já estava planejada, os dados de avaliações externas. De acordo com Camila, o professor não precisa mudar o seu planejamento para que isso aconteça. Em uma aula sobre vírus, considerando a distribuição dos alunos do exemplo anterior, o professor poderia propor atividades diversas – por exemplo, um grupo trabalhando as diferenças entre conhecimento científico e senso comum (habilidades necessárias para os estudantes do nível 1 alcançarem o nível 2) e outro abordando relações de causa e efeito e situações-problema (habilidades necessárias para os estudantes do nível 2 alcançarem o nível 3).
“Com isso, o professor não olha só para um média, mas começa a ter um olhar personalizado, direcionado, com intencionalidade e escolhas corretas de atividades para cada grupo de alunos, de modo a permitir que todos avancem no processo de aprendizagem”, destaca Camila.
Ao concluir a formação, a especialista resumiu os passos necessários para que os dados possam gerar intervenções e contribuir para uma aprendizagem mais efetiva:
- Valorizar avaliação e entendê-la não como fim, mas como processo para redefinir práticas;
- Gerar momentos de reflexão com a equipe docente para construir uma cultura de feedback;
- Entender os pontos fortes e frágeis de cada estudante para poder atuar de maneira mais direcionada;
- Fazer escolhas assertivas de práticas pedagógicas no dia a dia para poder atingir os objetivos desejados.
A especialista lembrou ainda uma frase de David Ausubel que diz que o fator isolado mais importante que influencia o aprendizado é aquilo que o aprendiz já conhece:
“Se você sabe o que ele conhece, você sabe qual é o próximo passo, você vai ter mais intencionalidade e fazer as escolhas corretas. A avaliação é muito importante nesse sentido de demonstrar para o educador o que o(a) aluno(a) já domina e de entendê-la não como o fim de um processo, mas o início de uma nova oportunidade de atuar com esse(a) estudante e fazê-lo(a) avançar. Afinal, esse é o grande desafio que temos como educadores.”
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