O impacto da pandemia na educação da América Latina e do Caribe e o uso da tecnologia como forma para reverter os danos

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Confira aqui uma análise do relatório “Agindo agora para proteger o capital humano de nossas crianças no futuro”, desenvolvido pelo Banco Mundial e as trocar que fiz com Howard Gardner – cientista das inteligências múltiplas e diretor-sênior do Project Zero, da Universidade de Harvard – sobre como a tecnologia pode endereçar os enormes desafios educacionais pós-pandemia e combater a pobreza educacional.

“O maior choque mundial sofrido pelos sistemas educacionais na História da Humanidade”. É dessa forma que o Banco Mundial classifica o impacto da pandemia na Educação. No relatório “Agindo agora para proteger o capital humano de nossas crianças no futuro”, a organização alerta que o contexto que vivemos tem um sério impacto, sobretudo, nos estudantes em situação de vulnerabilidade social e econômica – o que gera um fenômeno classificado como pobreza de aprendizagem.

Na prática, a parcela de crianças que não consegue ler e compreender um texto simples ao terminar o ensino fundamental tende a aumentar de uma linha de base de 51% para 62,5%; em vidas, estamos falando de mais de 7,6 milhões de crianças pobres de aprendizagem e de um aumento de 20% dos danos. A análise por regiões aponta que a América Latina e Caribe podem se tornar territórios com o maior aumento absoluto de alunos(as) que ficam abaixo dos níveis mínimos de proficiência medidos pelo PISA. 

O mapeamento reflete que “embora os sistemas educacionais da América Latina e do Caribe enfrentem um desafio sem precedentes, esta situação excepcionalmente difícil abre uma janela de oportunidades para que a reconstrução torne os sistemas educacionais ainda melhores, mais eficazes, igualitários e resilientes”; na região, são 170 milhões de estudantes impactados. Nos médio e longo prazos, o fechamento das escolas representará uma perda de produtividade, ou seja, os prejuízos na aprendizagem podem ser traduzidos por um custo econômico agregado de perda de ganhos na ordem de US$ 1,7 trilhão (estimativa para 10 meses de fechamento).

Um outro dado relevante é que tal impacto tem potencial de ampliar a desigualdade dos resultados socioeconômicos em 12%, o equivalente a um quarto do ano letivo. Sendo bastante claro, crianças e jovens vulneráveis – do ponto de vista social e econômico – ficarão ainda para trás, sobretudo em regiões como o Brasil que já vivenciava uma crise de aprendizagem anterior à pandemia; nossos(as) estudantes já não tinham acesso a uma educação de qualidade. Quando pensamos na evasão escolar, as simulações do Banco Mundial apontam para um aumento de 15% por conta da crise sanitária.

Maior espaço para as tecnologias digitais nas escolas

A tradução desses números endereça a recomendação de que se abra espaço para o uso inteligente da tecnologia de dados – que pode, em longo prazo, orientar a educação para um aumento significativo de eficiência em processos de aprendizagem, fortalecimento do setor e desenvolvimento de uma visão que coloca o aprender em todos os lugares.

A alavancagem do potencial inexplorado da Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) e das intervenções com suporte de dados capazes de fornecer evidências de aprendizagem têm sido apontadas como opções de enfrentamento dos desafios. Mas, cabe ressaltar que menos de 43% das escolas do ensino fundamental e 62% do secundário na América Latina e no Caribe têm acesso à internet para fins pedagógicos.

A redução das desigualdades digitais, em infraestrutura e em capacidade digital pedagógica e de sistemas, passa pela transposição dessas barreiras de acesso.

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Uma conversa com Howard Gardner, cientista das inteligências múltiplas

Na semana passada, em uma conversa com o psicólogo cognitivo e educacional Howard Gardner – cientista das inteligências múltiplas e diretor-sênior do Project Zero, da Universidade de Harvard – refletimos sobre como o uso da tecnologia com intencionalidade pedagógica pode nos auxiliar a dar um salto na educação das gerações futuras.

Além de responder à tarefa de motivar o(a) estudante, a inovação digital nas escolas pode ter um papel importante, aproximando o conteúdo do universo deles(as) e tornando a educação mais relevante, individualizada e eficiente para alunos(as) e professores(as). Nesse sentido, a inserção da tecnologia na educação não se limita a deixar o conteúdo mais atrativo: ela permite que docentes conheçam as necessidades de cada aluno e aluna em tempo real, de forma personalizada; e possam ajudá-los(as) antes que eles(as) travem, fiquem desmotivados e que desistam por não estarem aprendendo, sobretudo em um cenário pós-pandemia.

Na conversa que tivemos, conduzida no Knowledge Exchance Sessions (KES), Gardner – que tem cinco netos – contou que ele e a esposa (professora de Artes) têm ensinado as crianças por Zoom e Facebook com a perspectiva da personalização do ensino; disse que a tecnologia, se construída corretamente, permite a pluralidade no ensino.

Entre as inúmeras reflexões interessantes que Gardner trouxe, no bate-papo, uma delas foi sobre o potencial da tecnologia para personalizar a educação; algo, aliás, que conecta com a visão que tenho sobre a importância da inteligência de dados nas escolas. Segundo ele – conhecido por formular a Teoria das Inteligências Múltiplas, descrita no livro Estruturas da Mente – antigamente somente quem podia pagar um tutor teria uma educação personalizada, ou seja, uma estrutura educacional que respeita a maneira particular de cada um aprender. Claro, que esse era um privilégio de poucos.

Com o desenvolvimento da tecnologia, dentro de um contexto pedagógico correto, um aluno ou uma aluna pode ter acesso a um mesmo conteúdo, por exemplo, de 15 formas diferentes. E o professor ou a professora também pode ensinar de inúmeras formas o mesmo conteúdo, respeitando as diversas formas de aprender de diferentes alunos(as). Ele usa, inclusive, a palavra pluralização para definir esse ensinar e aprender propiciado pela tecnologia.

No entanto, como alerta o relatório do Banco Mundial, esse acesso está condicionado à capacidade de governos investirem na inclusão digital, sobretudo, em escolas públicas. Do lado do ensino privado, o desafio da comunidade escolar é vencer medos e preconceitos associados a conceitos errados do que é a tecnologia dentro da sala de aula. Em síntese, como diz Howard Gardner: “A qualidade do sistema educacional de uma nação será uma das principais determinantes – talvez a principal – de seu êxito durante o próximo século e para além dele.” 

Leia outros artigos do Claudio Sassaki, CEO da Geekie e mestre em Educação pela Universidade de Stanford:

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