Explorando a Grécia Antiga: a potência didática de projetos integrados de História e Matemática

Colunas
Tabuleiro da Atividade interdisciplinar de Matemática e História elaborada por estudantes de escola do Rio - InfoGeekie (Débora Garcia)

Estudantes da 3ª série do Ensino Fundamental de uma escola da zona sul do Rio de Janeiro elaboraram um jogo de tabuleiro como parte de uma proposta interdisciplinar das professoras Sylvia Faillace e Márcia Valéria Sousa

Por mais que façamos um exercício de imaginação, nem sempre é fácil visualizar como duas disciplinas escolares que operam em campos distintos, podem ganhar força uma com a outra a partir de uma estratégia de aproximação e troca de saberes de forma efetiva e instigante. 

O incentivo para que professores de todos os segmentos usem estratégias interdisciplinares em seu planejamento didático é enorme e de longa data. Há muito tempo os educadores brasileiros já perceberam os ganhos em se trabalhar o conhecimento de forma articulada e dialogada, evitando segmentação excessiva entre as áreas do saber. Desde os Parâmetros Curriculares Nacionais até a recente Base Nacional Comum Curricular (BNCC), o estímulo a trabalhos conjugados é permanente e, claro, faz todo o sentido do ponto de vista de quem aprende. Ouvimos muito falar que tal projeto está envolvendo mais de uma disciplina, que os professores e professoras têm feito reuniões constantes para troca de conhecimento e manejo de sala, que os alunos se beneficiaram disso e daquilo. 

Mas, na realidade corrida e intensa do dia a dia, nem sempre isso é possível de ser incorporado na rotina das nossas escolas, onde o conhecimento, por mais que saibamos que é absolutamente conectado, ainda é ensinado de forma estanque, compartimentalizada e desintegrada. 

Um esforço titânico! 

Por isso esse texto de hoje conta uma experiência muito interessante ocorrida numa escola da zona sul do Rio de Janeiro, com professoras do primeiro segmento do Ensino Fundamental. É importante salientar que a atividade proposta é absolutamente moldável e adaptável às circunstâncias dos anos finais do Fundamental e até mesmo do Ensino Médio, com as devidas adaptações de conteúdo e enfoque, claro. 

Uma das peculiaridades da escola onde ocorreu esse projeto é justamente produzir seu próprio material de ensino com base em livros didáticos e paradidáticos e também na pesquisa e construção textual de seu próprio corpo docente. Isso dá trabalho, podem apostar. Mas a recompensa parece ser grande. Os textos por lá produzidos carregam uma identidade forte, refletem o conhecimento que a equipe tem dos alunos e da comunidade do entorno, dando conta das devidas adaptações contextuais necessárias para se tratar diversos conteúdos, trazendo-os para as turmas de maneira a corroborar o projeto político-pedagógico daquele ano de ensino. 

Grécia antiga: nem o Olimpo é o limite! 

Cora Weisner, minha filha, vestida de deusa Artemis, durante a apresentação do jogo de tabuleiro para as famílias dos estudantes

O livro escolhido para as turmas de terceiro ano do Fundamental I foi o “Como seria sua vida na Grécia”, da editora Scipione. Esse livro funcionou ao longo do ano como bússola para que os conteúdos detalhados de cada aula pudessem ser elaborados com base em atividades inspiradas no conteúdo e nas imagens trazidas pela publicação. 

As professoras Sylvia Faillace e Márcia Valéria Sousa organizaram uma abordagem casada de atuação com as crianças, propondo que o tema “Grécia Antiga” impulsionasse a produção de pesquisas, leituras, produções artísticas, idas periódicas à biblioteca da escola e momentos de troca entre os pequenos pesquisadores. Dentro dessa estratégia de “tema-gerador”, o assunto que saltou aos olhos maravilhados das crianças foi a mitologia grega. Elas ficaram fascinadas com os deuses e deusas do Olimpo, suas características pessoais, seus poderes sobrenaturais e suas relações conturbadas nesse panteão de vaidades e truculências, muitas vezes tendo semelhanças impressionantes com os humanos. 

De cara perceberam que os deuses e deusas gregas eram fonte inesgotável para se entender o modo de vida da Grécia e reconhecer em que medida essa história toda tinha relação com a nossa vida contemporânea. Para turbinar todo esse conhecimento e interesse sobre uma cultura que é também conhecida como “berço da civilização ocidental”, as crianças leram textos de apoio e assistiram a vários filmes e documentários sobre o tema, enriquecendo seu conhecimento geral. As apresentações que surgiram a partir desse estudo foram feitas em sala na forma de esquetes, vídeos, maquetes e confecções de objetos. 

E aí entra a Matemática, nosso conhecido “Calcanhar de Aquiles” 

Na paralela, o conteúdo de matemática trabalhado pelos alunos naquele trimestre era justamente as quatro operações. Nesse contexto de aprendizado articulado, as próprias crianças criaram as regras do jogo, conceberam, montaram e ilustraram os tabuleiros com base nas divindades gregas e em seus “poderes” característicos, pensando num trajeto que seria percorrido a partir do lançamento de dados e da resposta dos jogadores (certa ou errada) à perguntas de matemática ou história trazida por cartas lúdicas, utilizando de forma integrada um conhecimento lógico para dar estofo para o conhecimento no campo das humanidades.  

Atividade interdisciplinar de Matemática e História elaborada por estudantes de escola do Rio - InfoGeekie (Débora Garcia)
Na foto, meu marido se divertindo com o jogo criado na aula de minha filha. Além de ajudar no processo de aprendizagem dos estudantes, o jogo ainda divertiu os adultos!

Um exemplo: você está jogando o desafio “Em Busca da Vitória”. Em cada campo do tabuleiro há uma bela ilustração de um deus ou deusa grega e toda vez que um jogador cai numa casa azul, por exemplo, as perguntas são de matemática. Resposta certa? Avance várias casas!  Se for na casa amarela, as questões são de mitologia grega. E há ainda cartas contendo punições ou ganhos inesperados, assim como na Grécia antiga ou no. Brasil contemporâneo! Na casa verde água, o jogador simplesmente avança o número que tirou nos dados e passa a vez para outra pessoa. O objetivo é se divertir aprendendo. Uma combinação conhecida dos professores e que se sabe, infalível. 

Além de trabalhar conteúdos sobre o tema, as crianças também tiveram a oportunidade de fortalecer as chamadas “soft skills”.  Sim, aquelas habilidades tão desejadas pelo mundo contemporâneo, como trabalho em grupo, negociação, capacidade de pesquisa de dados e organização do pensamento, além da capacidade de construção de conceitos com autonomia conjugada ao design de experiência. 

A culminância junto às famílias: agradando gregos e troianos

Os diversos tabuleiros produzidos durante o trimestre resultaram em lindos trabalhos, com fortes cores, muita ilustração e muito conhecimento tácito para pensar a sequência de cartas com perguntas de conteúdo (haja leitura e escrita para dar conta desse aspecto), além de operações matemáticas prévias, testando a soma, multiplicação, divisão e subtração. Afinal, o jogo tinha que fazer sentido para quem fosse jogar e não tivesse participado do processo de feitura dos mesmos. 

A decisão foi mostrar todo esse processo numa mostra pedagógica com participação dos familiares dos alunos. Os adultos foram surpreendidos por uma sala de reunião toda montada com jogos de tabuleiro, as crianças devidamente paramentadas com a indumentária do seu deus grego favorito, trabalhando como monitores dos grupos. Cabia a eles a explicação das regras e objetivos do jogo, mostrando com orgulho sua produção textual e seu trabalho artístico e matemático. Um verdadeiro deleite geral, para gregos e troianos! Aprendizagem, troca, vibração, orgulho da turma pelo trabalho concluído e a sensação de que quando o diálogo perpassa todos as etapas de um projeto pedagógico o resultado é sempre “dos deuses”. 

* Debora Garcia é pedagoga, mestre em Educação pela UFF, Fulbright Scholar pela Georgia State University, GA e especialista em Gestão do Conhecimento pela COPPE-UFRJ. É sócia-diretora da Elektra Conteúdo e colaboradora do Canal Saúde da Fiocruz. Foi Gerente de Conteúdo do Canal Futura por mais de 20 anos e é uma das autoras do livro “Destino: Educação – Escolas Inovadoras”, publicado pela Fundação Santillana/Ed. Moderna. Em 2017, em conjunto com Daniela Kopsch e Daniela Belmiro, idealizou e criou o blog “3DEVI”, um espaço para contos, ensaios e reflexões da mulher contemporânea.

Leia mais artigos da Débora: 

caret-downcheckchevron-downclosedouble-arrow-downfacebook-squareforwardhamburgerhamburgerinstagram-squarelinkedin-squarememberpauseplaysearchsendtwitter-squareyoutube-square