Aprendizagem Baseada em Projetos convida os(as) estudantes a buscarem soluções para problemas reais

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Metodologia ativa de ensino, a Aprendizagem Baseada em Projetos, permite que os(as) alunos(as) realizem investigações e aprendam em um contexto significativo, ao mesmo tempo em que desenvolvem competências socioemocionais

A Aprendizagem Baseada em Projetos (ABP) vem ganhando bastante espaço no cenário educacional devido à Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e à necessidade de desenvolver o protagonismo dos(as) estudantes e promover experiências significativas de aprendizagem. Mas, na prática, muitos(as) docentes ainda encontram dificuldades em aplicá-la. 

Para discutir os principais aspectos dessa metodologia ativa e ajudar os(as) professores a iniciar um trabalho com ela, o 7º encontro do Circuito Geekie, realizado em 4 de maio, trouxe a formação “Elementos da Aprendizagem Baseada em Projetos”, com Christie Sototuka, coordenadora de designers pedagógicos da Geekie. Erica Mantovani, coordenadora educacional dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental do Colégio Mater Dei, de São Paulo (SP), parceiro da Geekie, também participou do encontro online. Ela contou sobre a experiência do colégio com a proposta, seus benefícios e como desenvolveu um projeto passo a passo. 

Um exemplo de trabalho com a Aprendizagem Baseada em Projetos

Antes de abordar os elementos da ABP, Christie apresentou um exemplo de projeto que realizou com alunos(as) de 3º e 5º anos do Ensino Fundamental – Anos Iniciais. Como nessa fase, em geral, as crianças gostam de animais e de explorar questões sobre o meio ambiente, além de serem muito curiosas, a turma foi estimulada a falar sobre o mar. A pergunta que ela lançou foi: “Como podemos diminuir a quantidade de lixo que chega ao mar?”

A partir daí, as crianças exploraram o tema de diversas formas. Uma delas disse que queria ver o tipo de lixo que chega ao mar, outra comentou que visitou uma unidade do Projeto Tamar e viu que as tartarugas marinhas podem morrer ao ingerir resíduos plásticos. Outro(a) aluno(a), ainda, estabeleceu uma meta de reduzir os materiais plásticos que consumia na semana, como embalagens e sacolinhas de supermercado, e trocou o copo descartável pela garrafinha de água.

Além de esclarecer como o lixo produzido na cidade chega ao mar e como o plástico impacta a vida dos seres marítimos, entre outras questões, o projeto também teve desdobramentos na comunidade. “Um estudante decidiu que ia conversar com todas as turmas da academia de judô que frequentava. Para isso, bolou uma comunicação, fez cartazes e passou a sua mensagem, e as pessoas aderiram à ideia de substituir os copos plásticos por garrafinhas. A diretora da escola de judô disse que diminuiu pela metade a quantidade de copos que comprava”, comentou Christie. 

“Um estudante de 9 ou 10 anos que pensou no meio ambiente, em atuar no mundo e convencer as pessoas. Quando falamos de projetos, estamos falando disso: aprender em um contexto autêntico, que motiva e engaja o(a) aluno(a) pensar em soluções que impactam não só o indivíduo, mas a comunidade e o mundo”, afirmou a  coordenadora da Geekie. “E, nesse processo, eles vão desenvolvendo diversas habilidades e competências, como a empatia, a autonomia, a criatividade para buscar soluções, a cooperação e a comunicação para difundir a sua mensagem.”

O conceito e os fundamentos da Aprendizagem Baseada em Projetos

Christie trouxe também para a oficina a definição de Aprendizagem Baseada em Projetos do Buck Institute for Education:

“(…) um método sistemático de ensino que envolve os alunos na aquisição de conhecimentos e de habilidades por meio de um extenso processo de investigação estruturado em torno de questões complexas e autênticas e de produtos e tarefas cuidadosamente planejados.”

Ela explicou que, na ABP, os(as) estudantes estão no centro do processo de ensino e aprendizagem e adquirindo novos saberes e habilidades de maneira ativa ao longo de todo o projeto. Tudo isso acontece por meio de investigações, pesquisas e experimentos que dialogam com o contexto em que estão inseridos. E, no final, eles(as) vão pensar em produtos ou soluções que eles(as) próprios vão desenvolver, por meio de tarefas cuidadosamente planejadas e considerando os recursos que têm disponíveis”.

Christie salientou que mesmo os(as) professores(as) que ainda não usam a ABP podem começar a experimentar os seus fundamentos e “preparar o terreno” para quando forem utilizá-la. Para isso, podem estimular os(as) estudantes a fazer boas perguntas, praticar algumas rotinas de pensamento, trabalhar em grupo e cooperar. Também é importante dar feedback de forma estruturada para que os(as) alunos(as) possam ter um modelo de avaliação para usar uns com os outros. 

“Aprender é um processo constante. Ao fazer um projeto, avalie o que deu certo, o que não deu, o que pode melhorar. Como qualquer outra metodologia, ela vai passando por refinamento, e vamos aprendendo, experimentando, ousando mais e trazendo novos elementos.”

Na sequência, a coordenadora detalhou os cinco grandes elementos da Aprendizagem Baseada em Projetos:

1- Pergunta norteadora

Antes mesmo de lançar a pergunta norteadora, a apresentação do projeto deve ser instigante para garantir o envolvimento dos(as) alunos(as). Pode ser uma excursão, uma entrevista ou um vídeo ou mesmo uma imagem ou uma notícia. 

Christie ressaltou que o projeto deve ter objetivos de aprendizagem bem definidos e muita intencionalidade pedagógica. Considerando o exemplo do projeto sobre o mar, ela citou três habilidades da BNCC de Ciências e Geografia para o 5º ano do Ensino Fundamental – Anos Iniciais, que poderiam ser trabalhadas: 

  • [EF05CI04] Identificar os principais usos da água e de outros materiais nas atividades cotidianas para discutir e propor formas sustentáveis de utilização desses recursos.
  • [EF05CI05] Construir propostas coletivas para um consumo mais consciente e criar soluções tecnológicas para o descarte adequado e a reutilização ou reciclagem de materiais consumidos na escola e/ou na vida cotidiana.
  • [EF05GE10] Reconhecer e comparar atributos da qualidade ambiental e algumas formas de poluição dos cursos de água e dos oceanos (esgotos, efluentes industriais, marés negras etc.).

“Nesse primeiro passo, definimos os objetivos de aprendizagem e as habilidades que serão desenvolvidas, fazemos uma boa apresentação do tema e apresentamos a pergunta norteadora, que deve despertar curiosidade e interesse”, orientou. 

2- Investigação do problema

Depois de serem apresentados(as) ao problema, os(as) alunos(as) vão pensar o que precisam saber para entender a fundo aquela temática e quais questões querem resolver.  Em grupos, eles começam a fazer diversas perguntas que vão ajudar a nortear a pesquisa e as discussões.

Durante a investigação, o(a) professor(a) pode oferecer diversas experiências de aprendizagem para promover a aquisição de novos saberes, como pesquisas, discussões, aulas dialogadas, laboratórios, simulações e entrevistas.

Christie observou que as perguntas devem ser boas questões para investigação. Por exemplo, se os(as) estudantes já sabem a resposta, se ela pode ser achada facilmente na internet ou se resume a um sim ou não, ela não seria uma boa pergunta. 

Para se ter boas questões, ela sugere uma dinâmica que consiste em trocar as perguntas dos grupos. Por exemplo, se um grupo quer focar nos resíduos plásticos e o outro nos resíduos industriais, é possível trocar as questões de modo que tenham liberdade para explorar tudo o que não sabem sobre o assunto e o que querem descobrir. No final da dinâmica, inverte-se de novo, devolvendo para cada grupo a lista de perguntas feita pelo outro grupo para que selecionem as melhores questões. 

3- Ideação e construção

Nessa etapa, o grupo vai reunir tudo o que aprendeu sobre a questão e discutir as ideias que têm para solucionar o problema. Depois de chegarem a uma solução comum, é hora de planejar as tarefas e executá-las. Nesse momento, o(a) professor(a) pode ajudar a sistematizar o planejamento do que precisa ser feito para elaborar a solução. Ele pode oferecer referências e templates, de acordo com a série e maturidade dos(as) alunos(as). Um exemplo é o site PBWorks [em inglês], que reúne várias ferramentas que podem ser adaptadas para serem usadas como base pelos(as) estudantes.

De acordo com Christie, algo fundamental nessa fase é a cooperação, que pode ser definida como “agir e trabalhar junto com outro ou outros para um fim comum”. Para isso, os(as) alunos precisam estar engajados(as) e ter uma motivação final. Para estimular essa colaboração entre os(as) estudantes, o professor pode propor uma tempestade de ideias e incentivá-los(as) a ouvir, discutir, discordar e produzir algo em conjunto. “A discordância do grupo tem que acontecer de forma saudável. Ela vai levar o grupo a considerar novos pontos de vista e pensar em soluções diferentes, que só são possíveis a partir da escuta do outro.”

Além da cooperação, para chegar na melhor solução para o projeto, o grupo precisa desenvolver também a comunicação. Alguns recursos podem ajudar a treinar essa habilidade em sala de aula, como o uso de perguntas esclarecedoras (“o que faz você pensar assim?”) para compreender o raciocínio de outra pessoa e refrasear o que foi dito (“o que você quis dizer foi…”) para garantir o entendimento.

4- Exposição e compartilhamento

É o momento de celebrar a jornada de aprendizagem realizada. “A partir de uma pergunta norteadora, os(as) alunos(as) pesquisaram um tema, foram a fundo, desenvolveram conceitos e habilidades, executaram sua solução e agora precisam se preparar para falar com o seu público”, resumiu a coordenadora da Geekie. Eles(as) vão então preparar as mensagens-chave para que possam contar sobre o seu processo de aprendizagem e porque o problema é relevante. Para essa apresentação, a escola pode chamar a comunidade e outras pessoas de fora do ambiente escolar, como especialistas no assunto.Essa também é a hora de dar e receber feedbacks. É importante atentar para a linguagem usada com os(as) alunos(as). Christie mostrou uma referência de como fazer essa devolutiva para os(as) estudantes, chamada de “escada de feedback” (ladder of feedback), de Ron Ritchhart:

5- Avaliação ao longo do processo

A avaliação de um projeto não acontece apenas ao fim, mas ao longo de todo o processo. “A participação na abertura do projeto, na pergunta norteadora, depois o envolvimento na contextualização, nas explorações do tema, nas investigações, assim como a pesquisa, análise de texto, interpretação de gráficos, sínteses, argumentações e referências usadas – são muitos elementos para avaliar”, exemplificou a coordenadora.

Também podem ser considerados o trabalho em grupo e o planejamento das tarefas na fase de ideação, além da avaliação do produto final, da apresentação e se conseguiram transmitir a mensagem pretendida.

Mão na massa: a experiência das escolas com a ABP na prática

Erica Mantovani, coordenadora educacional do Ensino Fundamental – Anos Iniciais do Colégio Mater Dei, de São Paulo (SP), contou como a escola, que é parceira da Geekie, usa a metodologia no seu dia a dia. Ela disse que os projetos estão na base da proposta pedagógica do colégio, em todos os ciclos, desde a Educação Infantil até o 3º ano do Ensino Médio.

Ela citou como exemplo um projeto realizado em 2021 com o 2º ano do Ensino Fundamental sobre produção de texto, que resultou na criação de um personagem/mascote que passou a fazer parte da rotina das crianças. “Pensamos em falar um pouquinho sobre a pandemia. As crianças então decidiram que o personagem viajaria o mundo, percebendo os efeitos que a Covid-19 causou nas pessoas”.

Os(as) alunos(as) criaram, por meio de desenhos e sugestões coletivas, a personagem Lili, que ganhou forma em 3D. Os(as) estudantes também decidiram que ela precisaria ajudar as pessoas que perderam o emprego e estavam passando por dificuldades financeiras em função da pandemia. Assim, componentes de Geografia, História e Matemática passaram a fazer parte do projeto, além do foco central que se manteve, a produção de texto. “De cada item que estudavam, as crianças escreviam um texto, uma história, formando um livro sobre tudo que estavam aprendendo”, pontuou.

“Os(as) alunos resolveram então que precisavam tomar uma atitude. Pesquisaram sobre como poderiam ajudar e encontraram uma instituição que entrega mensalmente 150 cestas básicas para uma comunidade. Definiram que naquele mês, o colégio ficaria responsável por isso”, continuou.

Foi então que os(as) estudantes do 2º ano ficaram sabendo que um grupo de alunos(as) do 9º ano, por meio de outro projeto, também estavam tentando providenciar cestas básicas. Assim, fizeram uma campanha conjunta. Lili ganhou vida na voz das crianças do 2º ano, que montaram textos para a campanha de arrecadação das cestas básicas junto com o 9º ano, que fez a divulgação da iniciativa na comunidade Mater Dei. 

A parceria interclasses continuou ainda em outro projeto e campanha, em que os(as) estudantes do 9º ano tinham que conseguir ingredientes para elaborar sanduíches nutritivos para uma entidade que entrega lanches para pessoas em situação de rua. Desta vez, o 2º ano ficou responsável pela redação dos textos da campanha. “O 9º ano supervisionava e mostrava como poderiam melhorar a escrita e gravou os vídeos da campanha. Ou seja, o objetivo inicial do projeto do 2º ano – a produção de texto – foi mantido”, destacou  Erica. A partir daí, a escola se mobilizou para montar o Mater Social, um site que reúne todas as campanhas e ações que a escola realiza, que envolvem todos os(as) alunos(as). 

Para Erica, trabalhando assim, o aprendizado se torna algo universal dentro da escola. “Alunos(as) aprendendo, professores(as) e coordenadores(as) aprendendo também. Os(as) estudantes têm muito a nos trazer em termos de tecnologia, mente aberta e menos preconceito. Todo mundo sai ganhando.”

Quanto à relação com as famílias, Erica disse que é necessário lembrar que os pais e responsáveis não são educadores. “É preciso explicar, mostrar e conversar para eles entenderem [o trabalho com projetos, que difere da aula tradicional]. Eles querem uma educação mais moderna, mas também resultados – que o(a) filho(a) entre em boas faculdades, que vá bem no Enem“, observou.

Quando há um novo projeto ou nova proposta na escola, é feita uma reunião com as famílias. “Explico porque estamos fazendo aquilo e qual a finalidade. Isso acalma o coração. Também fazemos aulas abertas. Quando elas entendem e se envolvem, elas amam e participam muito mais. Uma família envolvida e que entende o que está acontecendo aceita as mudanças”, afirmou.

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