Claudio Sassaki, mestre em Educação pela Universidade de Stanford e cofundador da Geekie, comenta o estudo Education and Skills, conduzido pelo Fórum Econômico Mundial. O especialista analisa quatro recomendações do mapeamento para que a escola passe a dialogar com as demandas profissionais do século XXI.
O estudo Educação e Habilidades (Education and Skills), conduzido pelo Fórum Econômico Mundial, reflete sobre como a inovação tecnológica está transformando fundamentalmente a educação e contribuindo para o desenvolvimento das habilidades necessárias ao mundo do trabalho. O mapeamento alerta para a importância de currículos adequados ao século XXI, ou seja, o fornecimento de uma instrução acessível e capaz de construir uma base sólida para os(as) estudantes.
Os especialistas responsáveis pelo levantamento apontam que há uma desconexão entre as demandas dos empregadores e a formação dos(as) profissionais recém-saídos do sistema educacional. A análise traz recomendações baseadas em tendências que podem renovar o conceito de ensino e aprendizagem, conectando a escola com o futuro que precisamos construir.
Selecionei quatro recomendações contidas no amplo estudo para comentar, mas gostaria de salientar a visão que tenho da tecnologia dentro da educação – e a importância dela, desde que permeada e condicionada à intencionalidade pedagógica. As tecnologias trazem benefícios exponenciais para a educação, porque produzem dados que são pontos de partida para diálogos e reflexões.
Na prática, essas informações qualificadas embasam decisões pedagógicas e garantem o alcance das expectativas de aprendizagem definidas, algo que acontece de forma transversal entre estudantes, famílias e equipe docente. O uso da tecnologia com intencionalidade pedagógica, com análise de dados e a tomada de decisão com base em evidências são pilares de uma visão pedagógica que representa o que chamo de uma Nova Era da Educação.
#1 Inovação em Educação
O mapeamento aponta que, mesmo antes da pandemia, a inovação tecnológica estava mudando a forma como os conteúdos educacionais eram gerados e distribuídos. Entre as inovações, a migração de livros didáticos para plataformas que tornam o aprendizado mais dinâmico, atraente e que vai além da transposição do conteúdo físico para um arquivo digital.
Entretanto, as escolas – em especial, nos níveis primário e secundário – têm sido lentas em incorporar as tecnologias de aprendizagem mais básicas, mesmo diante da constatação do enorme potencial para resolver questões como, por exemplo, a necessidade de expandir o acesso. Os especialistas consultados pelo Fórum Econômico Mundial recomendam que haja uma aceleração nesse processo de levar tecnologia às escolas e que a inovação deve recair, também, nos currículos escolares.
O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) – citado no estudo do Fórum Econômico Mundial – também tem defendido o equilíbrio entre as habilidades básicas (leitura, escrita e Matemática) com habilidades como resolução de problemas e criatividade. Interessante notar o alerta para que a instrução caminhe para além do ensino presencial, ou seja, devemos enxergar a pedagogia como um campo maduro para a inovação, sobretudo a personalizada.
Nessa seara, o mapeamento destacou que as novas ferramentas de aprendizagem permitem o envolvimento de diferentes grupos de alunos(as) e favorecem o monitoramento da eficácia. Na prática, uma educação baseada em evidências de aprendizado. Uma das recomendações para trazer inovação para a educação é uma maior contribuição público-privada com o objetivo de expandir a inovação nas salas de aula com a implementação de currículos preparados para o futuro e em formatos inovadores.
#2 Fluência digital e habilidades STEM
O levantamento aponta que os(as) estudantes de todo o mundo precisam desenvolver, desde muito cedo, fluência digital e habilidades em Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática (sigla, em inglês, STEM) se quiserem estar preparados para prosperar no mercado de trabalho contemporâneo.
Essa habilidade se baseia na alfabetização digital básica, adicionada à capacidade de aplicar o pensamento crítico, e a considerações éticas para nortear o uso correto e o desenvolvimento, entre outros itens, de dados. Na prática, ensinar nossas crianças e nossos(as) jovens que para aplicar tecnologia e inovação na vida é importante ter uma base sólida de ética.
Com isso, a recomendação é que os sistemas de ensino garantam que os currículos de tecnologia estejam constantemente atualizados; os professores(as) devem ter oportunidades, também, de atualizar as próprias habilidades e os próprios conhecimentos para acompanhar essas mudanças externas. Aqui, o alerta é para o uso ético da tecnologia que deve permear todo o ciclo da vida educacional do indivíduo.
Sobre a importância das habilidades STEM, a publicação do Fórum Econômico Mundial remete a dados do Departamento do Trabalho dos Estados Unidos: das 20 ocupações de crescimento mais rápido (2016 a 2026), muitas exigem um maior entendimento em Matemática e Ciências. O Centro Europeu para o Desenvolvimento da Formação Profissional estima um crescimento de emprego na União Europeia de 11% (2020 a 2030) em profissões ligadas à Ciência, Engenharia e Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC).
#3 Educação continuada
O mapeamento atesta que a formação técnica e profissional – que costuma ser negligenciada pelos sistemas educativos – é uma das principais lacunas entre as habilidades exigidas por empregadores(as).
Um relatório da Deloitte estima que 2,4 milhões de cargos no setor manufatureiro podem não ser preenchidos até 2028 por falta de profissionais, gerando um impacto econômico potencial de US$ 2,5 trilhões. Sem modificações adequadas nos sistemas educacionais, esse gap só tende a aumentar, de acordo com os especialistas consultados pelo Fórum Econômico Mundial.
#4 Soft Skills
Em 2025, cerca de 85 milhões de empregos podem ser perdidos diante da divisão emergente de trabalho realizado por humanos, máquinas e algoritmos, de acordo com relatório do Fórum Econômico Mundial. Em contrapartida, podem surgir mais 97 milhões de empregos associados à nova dinâmica profissional.
Entre as 10 habilidades de destaque até 2025 estão as soft skills – habilidades sociais, incluindo criatividade, liderança e flexibilidade. Embora a educação possa fornecer uma base para a requalificação futura, a autoatualização deve ser um conceito a ser disseminado nas escolas.
Diante dessa nova realidade, a recomendação do estudo é que currículos educacionais específicos não podem permanecer fixos, pois os planos de carreira padrão estão em constante evolução e se tornam menos lineares a cada dia. Ou seja, a relevância recai para as habilidades básicas do século XXI: criatividade, flexibilidade, resolução de problemas complexos, pensamento crítico e colaboração.
Elas são cruciais para permitir que as pessoas se tornem mais capazes de se adaptar às necessidades dessa constante mudança no mercado de trabalho. É importante o alerta dos especialistas ouvidos pelo Fórum Econômico Mundial: essas habilidades pessoais devem ser desenvolvidas desde a educação básica; e devem ser aprimoradas em faculdades e universidades. Ao fornecer uma base sólida de habilidades sociais, a educação serve como um catalisador de maior adaptabilidade do indivíduo a empregos futuros.
Para finalizar minha análise, como alerta o relatório do Fórum Econômico Mundial, as transformações na educação estão condicionadas à capacidade de os governos investirem em tecnologia, com acesso à internet e a dispositivos educacionais nas escolas públicas.
Do lado do ensino privado, o desafio da comunidade escolar é vencer medos e preconceitos associados a conceitos errados do que é a tecnologia dentro da sala de aula. Como podemos constatar – nesse e em tantos outros estudos sérios –, aproximar a educação da tecnologia significa preparar nossas crianças e nossos jovens para um mercado de trabalho pautado pela constante evolução tecnológica. É obrigação da nossa geração dar condições para que as próximas possam prosperar financeiramente, socialmente e emocionalmente.
Claudio Sassaki é graduado em Arquitetura pela Universidade de São Paulo (USP) e mestre em Educação pela Stanford University e cofundador da Geekie, empresa que desenvolveu a primeira plataforma de educação baseada em dados no Brasil. O especialista tem atuado com estudantes e educadores no desenvolvimento de iniciativas inovadoras que potencializam a aprendizagem. A Geekie já impactou mais de 12 milhões de estudantes de 5 mil escolas brasileiras. Entre os reconhecimentos conquistados, Sassaki recebeu os títulos de Empreendedor do Ano (Ernst & Young), Empreendedor Social (Fundação Schwab) e Innovation Fellow (Wired Magazine). Teve oportunidade de contribuir, como palestrante, com o Fórum Econômico Mundial; a Conferência Global de Educação, de Harvard; SXSWEdu; Citizen Education; e TEDx. Vive em São Paulo com a esposa e quatro filhos.
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