Aprendizagem visível: como promover uma cultura de pensamento no ambiente escolar

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É preciso valorizar o aprender, criar condições para que ele se desenvolva e fazer uso dessa visibilidade para intervir no processo de formação dos(as) estudantes. Conheça o conceito de aprendizagem visível e como uma cultura de pensamento pode potencializar a personalização e individualização dos(as) estudantes.

Um mundo dinâmico, que se transforma rapidamente e está em constante evolução, exige novas habilidades e competências dos(as) estudantes para lidarem com os desafios atuais e os que estão por vir. Para atender essa demanda, a educação deve privilegiar a aprendizagem no lugar do ensino e mudar o foco do conteúdo para o saber aplicar o conhecimento. Nesse contexto, a aprendizagem visível assume papel fundamental para a promoção de uma cultura de pensamento no ambiente escolar. 

Para falar sobre como tornar a aprendizagem visível e as forças de cultura que proporcionam um ambiente rico e inspirador para todos(as), a Geekie promoveu o encontro “Oito forças para a construção de uma cultura de pensamento em ambiente de aprendizagem”. As convidadas foram Camila Karino, diretora pedagógica da Geekie, e Claire Arcenas, designer pedagógica da Geekie. Elas escreveram, com Claudio Sassaki, CEO da Geekie, o primeiro capítulo do livro “Aprendizagens Visíveis: experiências teórico-práticas em sala de aula” (Editora Panda Books, 2021). 

As autoras iniciaram comentando sobre o papel da aprendizagem visível para mudar o sistema educacional brasileiro, marcado pela desigualdade, falta de políticas de equidade e baixa eficácia – características que foram ainda agravadas pela pandemia. “Precisamos nos provocar para fazer diferente e trabalhar para mudar esse cenário. Sabemos o potencial que a educação tem de transformar o país e as pessoas. Temos um recurso superpoderoso e devemos fazer o melhor uso dele para que realmente abra oportunidades para os(as) jovens do nosso país”, disse Camila Karino.

“A aprendizagem visível pode ser caminho para melhorar a qualidade da educação. “Quando os(as) estudantes aprendem a tornar seu pensamento visível, começam a se identificar como pensadores, tornando-se participantes ativos em sua própria jornada de aprendizagem”, completou Claire Arcenas.

Aprendizagem visível: do pensamento à mudança do foco no conteúdo

A designer pedagógica da Geekie explicou que, de acordo com David Perkins, “a aprendizagem é uma consequência do pensamento”. Portanto, indicar aos(às) estudantes a forma de pensamento que eles(as) irão praticar potencializa a aprendizagem e fornece oportunidades de construir a compreensão.

“Para aprender, temos que pensar. Ao compartilhar nossos pensamentos, entendemos novas perspectivas, argumentamos com evidências, etc. Tudo isso faz parte da construção dessa compreensão. Cada vez que fazemos isso em sala de aula, estamos aprofundando nosso entendimento sobre os conceitos trabalhados. Tudo isso vai ajudar o(a) estudante a ter essas ferramentas essenciais para a aprendizagem”, ressaltou.

Camila destacou a mudança de foco do conteúdo para a aprendizagem. “Esse é o principal elemento da jornada do(a) aluno(a) que precisa estar visível para o(a) professor(a), para o(a) estudante e para a família. Se não, nós só estaremos passando conteúdo. O aprender deveria ser o centro da nossa atuação.”

Sobre o conceito de “visível”, Claire esclareceu que, sempre que nos referimos a “visível”, nós estamos identificando as operações cognitivas que queremos desenvolver. Ao falar sobre a conexão que fez ou argumentar sobre algo, por exemplo, o(a) estudante está tornando seu pensamento e sua aprendizagem visíveis. 

A ideia é desmembrar o conceito de pensar, que é algo bem amplo, em operações cognitivas específicas para ajudar o(a) estudante a entender melhor os processos que ele precisa desenvolver para realmente compreender.”

Um exemplo prático: como crianças identificam um tamanduá?

As palestrantes comentaram então sobre um vídeo de uma atividade, em que alunos(as) dos anos iniciais do Ensino Fundamental, ao ver imagens de partes de um animal, deveriam criar hipóteses para responder de qual bicho se tratava. 

“A professora usou questionamentos para deixar as crianças ainda mais curiosas e criou oportunidades para os(as) alunos(as) compartilharem o que estavam pensando. Assim, ela conseguiu instigar o aprender”, pontuou Camila.”

“Ser aprendente”: um conceito também para docentes

Quando se trata de aprendizagem visível, além da verbalização do raciocínio ou a construção do entendimento pelo(a) estudante, é preciso considerar também os professores e as professoras. Nessa perspectiva, entra o conceito de “ser aprendente”, de José Pacheco, criador da Escola da Ponte, em Portugal. O termo se refere ao aprendizado constante ao longo da vida, independentemente da idade e do momento escolar ou profissional. 

Para Camila, o(a) professor(a) tem que vestir a camisa de ser aprendente, assim como a coordenação e a família. “Isso é uma transformação. Ser aprendente é uma cultura que temos que desenvolver dentro da escola – nos atos, na linguagem, na forma como as pessoas interagem. Se olharmos para as escolas, a cultura do aprender muitas vezes ainda não existe – ou existe só no discurso. No comportamento, o foco ainda está no conteúdo, no ensino e na transmissão.”

De acordo com ela, se queremos privilegiar o aprendizado, temos que construir uma cultura que valorize o aprender e o pensamento visível, criar condições para que ele se manifeste e fazer uso dessa visibilidade para interferir melhor no processo de aprendizagem. “Essa é a mudança de cultura que queremos provocar. Sair também do foco da cobrança e culpabilização do(a) aluno(a) e ir para a narrativa de que somos todos aprendentes – estudantes, professores(as) e familias – e podemos nos apoiar.”

Nesse sentido, as escolas precisam ser modelo do que significa pensar e aprender para os(as) estudantes. “A maneira como moldamos nosso pensamento e aprendizado irá impactar como nossos(as) estudantes aprendem. Para nutrir essa cultura de aprendente, todos(as) os(as) envolvidos(as) no processo de aprendizagem devem participar dessa jornada”, disse Claire. “Como os(as) professores(as) estão modelando na sala de aula essa mudança na narrativa em favor da aprendizagem? Como eles(as) estão deixando o seu pensamento visível para os(as) estudantes”, questionou.

As 8 forças de cultura

Segundo Ron Ritchhart, há 8 forças que podem promover ou dificultar a criação de uma cultura de aprendizagem e de pensamento na sala de aula. Esses elementos também auxiliam o professor a fazer uma autoavaliação da sua prática.

As 8 forças de cultura, segundo Ron Ritchhart: tempo, oportunidades, modelo, interações, rotinas, linguagem, ambiente e expectativas

“A metacognição é um ponto chave da abordagem do pensamento visível. Temos que ser mais conscientes sobre nossas práticas de ensino e aprendizagem. Se podemos pensar e refletir sobre elas, isso nos torna ainda mais metacognitivos sobre essa jornada que queremos promover em sala de aula”, destacou Claire.

Essas 8 forças estão presentes não apenas na escola, mas em situações onde as pessoas se reúnem para trabalhar, compartilhar ideias, colaborar, discutir, criar etc. Elas mostram, nas falas e ações do dia a dia, se a cultura da aprendizagem está ou não sendo valorizada naquele ambiente..

1 Linguagem

Os(as) professores(as) precisam estar atentos(as) ao uso da linguagem na sala de aula. Ela dá forma ao nosso pensamento, e a maneira como é utilizada pode impactar na aprendizagem dos(as) estudantes. Por exemplo, estamos reforçando que há somente uma resposta correta ou estamos possibilitando a oportunidade de compartilhar diferentes ideias e opiniões?

2 Oportunidades

As oportunidades são veículos para a aprendizagem. Segundo Ron Ritchhart, temos que criar oportunidades desafiadoras para os(as) estudantes, pois eles(as) precisam pensar para aprender, resolver problemas e procurar soluções possíveis. Dar essas oportunidades ajuda a fortalecer esse pensamento que queremos desenvolver na sala de aula. “Muitas vezes falamos que os(as) estudantes precisam ser autônomos. Mas estamos realmente promovendo essas oportunidades?”, questionou Camila.

3 Expectativas

Estamos criando oportunidades para os(as) estudantes pensarem e serem mais ativos(as) na aprendizagem ou só situações em que tenham que reproduzir algo?”, perguntou Claire. É importante que as oportunidades estejam alinhadas às expectativas almejadas e não focadas só no resultado final. “Quando mudamos nosso pensamento de modo a ressignificar nossas expectativas para nossas crenças sobre a natureza da aprendizagem e como ela acontece, focamos nossa atenção nas ações relacionadas para atingir os resultados desejados”, afirmou a designer pedagógica.

4 Interações

A relação entre professor(a) e aluno(a) é um dos principais fatores que impactam na aprendizagem. Nessa perspectiva, como estão sendo criadas essas interações dentro da sala de aula? Segundo Claire, aprender com o outro é muito importante, pois envolve trocar ideias e experiências, tornando também o pensamento visível. Mas isso só acontece quando há aprendizagem colaborativa e a oportunidade de compartilhar pensamentos e conhecimentos no ambiente escolar. 

5 Tempo

Como eu uso efetivamente o tempo em sala de aula a favor da aprendizagem? Os(as) estudantes têm tempo para pensar, formular uma resposta e comunicá-la? “Essa força mostra como priorizamos o tempo, o quanto está dedicado realmente para o aprender”, salientou Camila. 

6 Rotinas

As rotinas moldam a cultura. Uma cultura de aprendizagem só será estabelecida se alcançar comportamentos, hábitos e atitudes, de maneira constante e frequente, e se transformar em padrões de comportamento do indivíduo e do grupo. “É preciso haver espaço para pensar e práticas que valorizem esse pensar”, afirmou Camila. Os(As) professores(as) devem refletir sobre que hábitos querem promover no dia a dia da sala de aula e se as rotinas ajudam nesse sentido.

7 Ambiente

A organização da sala de aula pode facilitar certas formas de agir e interagir e ajudar no processo de aprendizagem. O que vemos nas paredes, a forma como os móveis estão dispostos e como o espaço é organizado comunicam se a aprendizagem é valorizada.

8 Modelo 

Os professores e as professoras são exemplos para os(as) estudantes e precisam tornar seus processos de pensamento – como estratégias de estudo, resolução de problemas, tomada de decisão – visíveis para eles(as). “A melhor forma de ensinar e promover é com a força do modelo. A melhor maneira de transmitir essa cultura do aprendizado é demonstrar no dia a dia que praticamos isso”, ressaltou Camila. 

Construção de uma nova cultura

Por fim, ela destacou que as forças se cruzam. “A gente começa a conectar uma força com a outra. Se queremos promover mais interação a favor do aprender, isso envolve oportunidades, expectativas que geramos nas famílias e nos(as) alunos(as), uma coisa está entrelaçada à outra. A gente vai mudando, vai percebendo que pode atuar um pouco mais em uma força ou outra e, quando vê, estamos transformando tudo ao mesmo tempo, e uma nova cultura está surgindo.”

Para Claire, é importante que os(as) professores(as) reflitam sobre as próprias práticas de ensino e aprendizagem e como essas forças estão presentes em sala de aula. “Escolha uma força e veja como a está aplicando no dia a dia. Esse pode ser o primeiro passo.”

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