Sciencetelling aproxima conteúdo da realidade dos alunos

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Neste artigo, a pedagoga Debora Garcia* elucida o conceito de sciencetelling e fala sobre como a postura dos professores pode despertar interesse nos alunos e envolvê-los no processo de aprendizagem. Confira:

Muito se fala sobre inovação e educação. Assim como em aperfeiçoamento dos sistemas educacionais, novas metodologias, criação de aplicativos, gamificação e estratégias político-pedagógicas em torno do tema. Tudo isso exige um investimento que passa por estrutura física das escolas, chegando à implementação de novas tecnologias a serviço de um aprendizado mais efetivo e significativo.

Mas, fica a pergunta: do ponto de vista individual, qual papel exerce cada profissional da educação? Afinal, é possível que um educador possa ser inovador e transformar seu modo de trabalho e suas práticas em sala de aula, de modo a constantemente dialogar com os desafios do século XXI? Pois bem, já adianto que sim. E convido você, leitor desta coluna, a conhecer um exemplo desse tipo de educador. Com vocês, o professor carioca de Biologia, Ney Mello, que utiliza o sciencetelling em sala de aula.

Como a Biologia entrou na vida do professor

Aluno de notas medianas, até tendo enfrentado provas finais de Biologia, Ney Mello sempre gostou de entender melhor os fenômenos da natureza. Nos idos de 1998, uma professora de Biologia viu algo de especial naquele aluno curioso e interessado e o indicou para um curso de férias no Instituto de Bioquímica da UFRJ.

Lá, Ney teve a oportunidade de calçar os sapatos (metaforicamente!) de um pesquisador de laboratório e a experiência teria ecos por toda sua carreira. Assim, a professora deu muito crédito àquela experiência de mão na massa do aluno Ney e, por conta disso, acabou por “aumentar” sua nota naquele bimestre. Por fim, a valorização inesperada deu uma injeção de ânimo para que ele viesse a decidir seu futuro pela carreira ligada à Biologia.

Sciencetelling: aplicando o conteúdo à realidade dos alunos 

Com uma vocação nata para transformar conteúdos complexos em algo mais palatável, o que é absolutamente necessário para um bom educador, Ney foi dando forma para seus talentos antes dirigidos à pesquisa acadêmica. Assim, passou a se interessar mais pela docência, algo que nem passava pela cabeça no início de sua formação.

Não é à toa que os alunos de Ney apreciam muito seus métodos de ensino. “Os conteúdos são fáceis de se relacionar ao cotidiano. Da ecologia às parasitoses, da evolução e origem da vida às biomoléculas, tudo pode ser facilmente contextualizado com o dia a dia dos alunos”, afirma o professor.

Mas, nem só de um conteúdo atraente vive um educador que busca inovar suas práticas em sala de aula. Para Ney, tudo pode se tornar base para trabalhar conceitos de Biologia, desde games a personagens da cultura pop. “Para chamar mais a atenção, é preciso primeiro se render à modernidade. Hoje, eu pesquiso quais são as novidades tecnológicas no mundo dos alunos para levar às aulas. Por exemplo, se a turma tem um perfil de gostar de games, procuro inserir isso em algum conteúdo de aula”, explica. 

O professor defende que “é preciso encontrar as preferências dos alunos e conquistar sua atenção, falando sobre o que consideram interessante e, assim, envolvê-los no processo de aprendizagem. Por exemplo, um aluno que lê um livro da franquia Harry Potter durante uma aula de proteínas acha o que está lendo bem mais interessante. É preciso conquistá-lo. O que podemos falar sobre Harry Potter que envolve os personagens e o enredo com proteínas? Sempre tem algo que pode ser relacionado à Biologia”..

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Sciencetelling leva sopro de vitalidade às aulas tradicionais de Biologia

Para o professor Ney, é preciso que existam investimentos constantes na alfabetização científica em todos os segmentos e uma das razões para isso é a enxurrada de notícias falsas que nos cercam e conquistam a atenção das pessoas. Isso influencia vidas e funciona como um alerta de que o método científico não está sendo bem absorvido.

O docente é fã do que se convencionou chamar “sciencetelling” – termo cunhado pela National Geographic que sugere que a ciência seja contextualizada ao cotidiano das pessoas mostrando claramente suas aplicações. Por conseguinte, Ney acredita que o Brasil também precisa ter uma política pública de ensino de Ciências, dando prioridade para que professores que atuam em sala de aula possam figurar em cargos públicos, formulando e determinando essas escolhas.  

Por sua paixão pelo universo da fauna, Ney acabou envolvido com um projeto inovador em termos de popularização científica: o programa de rádio chamado “Rádio Animal”. A razão de escolher essa mídia tradicional para veicular curiosos conteúdos tem a ver com o fato do rádio ser gratuito, democrático e acessível.

Desse modo, o programa criado por ele conta histórias organizadas em séries. Em cada episódio, os animais protagonistas são pano de fundo para falar de questões cotidianas como saúde, sustentabilidade, crise hídrica, história, cultura geral, etc. “Todo aluno gosta de uma boa história. E mesmo quem não consegue acompanhar pelo rádio, pode usar a rede social para ouvir os ‘podcasts’ ou acompanhar outras histórias complementares que posto. Tento me conectar às mídias que eles mais frequentam e se identificam”, aposta Ney.

O programa “Rádio Animal”

Em cinco anos, foram produzidas mais de 40 séries, somando mais de 200 episódios. Desse modo, cada série abraça um grande tema e vai se desenrolando em histórias sobre vida animal, que se conectam semanalmente.

Para se ter uma ideia da variedade de assuntos, até tango e Buenos Aires já renderam conteúdo para o sciencetelling do professor Ney: “selecionei isso para relacionar com flamingos argentinos e sua dança de acasalamento. Assim, feita a conexão, contava sobre a relação entre alimentação e cor das penas, e criava uma mensagem quase subliminar por convencimento sobre sua conservação. Não uso frases de comando nos episódios como ‘conserve o flamingo-argentino’. A ideia é promover uma catarse entre ouvinte e história, na qual sou apenas um mediador e nada mais”.

A estratégia de usar lugares do mundo como mote foi muito interessante para o programa. Essa aura de viajante o conectou ainda mais aos ouvintes que queriam saber onde ele “estaria” da próxima vez e o que teria para contar. Além disso, Ney se valeu das redes sociais para postar fotos dos lugares, curiosidades e até passagens aéreas fictícias. “Era óbvio que eu não conseguiria viajar de Guayaquil a Pyongyang em uma semana e ainda me corresponder com uma rádio no Rio de Janeiro. Mas percebi que as pessoas gostavam, por alguns momentos, de acreditar que alguém as estava levando para uma grande viagem de 17 capítulos”, avalia o professor.  

Da rádio e da TV para a sala de aula

Ney já utilizou os episódios que criou para a “Rádio Animal” em aulas no CAp-UERJ, na especialização em Ensino de Biologia da UERJ e no Mestrado Profissional em Ensino de Biologia (UERJ), assim como em outras escolas e universidades onde leciona.  Além disso, alguns temas já tiveram desdobramentos.

A série “O que é, o que é”, criada por ele para o Canal Futura, foi inspirada em conteúdos da “Rádio Animal”. Assim, foram produzidos 10 episódios usando técnicas de animação sobre animais que inspiraram tecnologias. Em seguida, esses conteúdos audiovisuais também viraram objetos de aprendizagem em suas aulas. Desse modo, desde 2015, ele se vale dos interprogramas de 1min30s em sala de aula.

Finalmente, pensando aqui com meus botões em como terminar esse artigo, acho que duas palavras resumem bem a trajetória desse professor: inquietude e curiosidade. Afinal, nada mal para quem faz da inovação sua principal estratégia para ensinar e engajar seus alunos, estejam eles na sala de aula, ouvindo rádio ou na frente da TV! E então, o que você faz para inovar em suas aulas? Conte pra gente!.

Você pode ouvir gratuitamente o programa “Rádio Animal” na Rádio Roquette Pinto (94,1 FM – RJ) toda segunda-feira às 7h40 ou aqui, em podcasts.    .

*Debora Garcia é pedagoga, mestre em Educação pela UFF, Fulbright Scholar pela Georgia State University, GA, e especialista em Gestão do Conhecimento pela Coppe-UFRJ. É gerente de conteúdo do Canal Futura e uma das autoras do livro “Destino: Educação – Escolas Inovadoras”, publicado pela Fundação Santillana/Ed. Moderna. Em 2017, em conjunto com Daniela Kopsch e Daniela Belmiro, idealizou e criou o blog “3Devi”, um espaço para contos, ensaios e reflexões da mulher contemporânea.

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