Entrevista: “Na Finlândia, uso de tecnologias gera valor para a educação e não é repreendida”

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Em entrevista para o InfoGeekie, a professora da Universidade de Ciências Aplicadas de Turku, da Finlândia, Liisa Kairisto Mertanen, conta sobre a experiência da reforma curricular finlandesa e como a tecnologia é encarada na educação básica do país.

Durante muito tempo, a Educação da Finlândia dominou o pódio do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, mais conhecido pela sigla em inglês, PISA, da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O país só perdeu o primeiro lugar na última edição da avaliação, em 2015, e uma das interpretações dessa queda se deve ao fato de os alunos, especialmente os meninos, estarem se concentrando menos devido ao uso das tecnologias.

Apesar de já estar em andamento desde 2012, em 2016 a Finlândia concluiu sua reforma do currículo da Educação. Ela ampliou as opções pedagógicas e a tecnologia assumiu seu lugar oficial na aprendizagem em todas as disciplinas. Por lá, foram estipuladas sete competências transversais que passaram a reger o desenvolvimento dos estudantes:

  • Vida ativa, competências profissionais e empreendedorismo;
  • Competências culturais e de expressão;
  • Competências TIC;
  • Multi-letramento;
  • Responsabilidade pessoal e gestão do dia a dia;
  • Pensar e aprender a aprender;
  • Participar e influenciar a construção de um futuro melhor.

Toda essa reforma ainda não surtiu efeito direto nos estudantes que ingressam no Ensino Superior finlandês, afinal, nenhum deles ainda concluiu a educação básica. Contudo, a preocupação dos educadores daquele país com o uso da tecnologia vem desde 2008. Essa atenção às características da nova geração, por sua vez, já apresentou resultados positivos para os estudantes que ingressam nas faculdades do país, que são mais ativos e independentes.

Essa é a avaliação da professora da Universidade de Ciências Aplicadas de Turku, da Finlândia, Liisa Kairisto Mertanen. Para ela, a melhor solução para conciliar as Tecnologias com a Educação é mudar o foco e não repreender o uso das TICs, mas sim, aproveitar seu potencial: “A questão é ensinar o estudante a como usar o dispositivos e os meios digitais de uma forma que produza valor para o processo de aprendizagem e seus resultados.”

A professora Liisa concedeu entrevista ao InfoGeekie, por e-mail, e falou um pouco sobre a experiência da reforma curricular finlandesa. Neste mês, Liisa participará do “XVII Congresso Brasileiro de Gestão Educacional”, no GEduc 2019. O tema da palestra da finlandesa será “Formando alunos inovadores” e acontecerá no dia 27, às 11h, no Hotel Maksoud Plaza.

O Geduc 2019 também contará com a presença do CEO da Geekie, Claudio Sassaki, no I Fórum EdTech, no dia 29 de março, às 8h30. O evento acontecerá entre os dias 27 e 29, no Hotel Maksoud Plaza (Rua São Carlos do Pinhal, 424). Gestores e diretores escolares, leitores do InfoGeekie, podem adquirir o ingresso para participar das discussões com 20% de desconto usando o cupom “Geekie” no site do evento: www.geduc2019.com.br.

Confira a entrevista com a professora Liisa, da Finlândia:

InfoGeekie: A reforma curricular da Finlândia, concluída em 2016, já trouxe resultados positivos para os estudantes finlandeses? Embora a reforma seja recente, é possível notar alguma alteração no perfil dos estudantes ingressantes no Ensino Superior?

Liisa Kairisto Mertanen: A reforma do currículo de 2016 foi tão recente que os estudantes envolvidos ainda não chegaram no Ensino Superior. No entanto, antes da reforma oficial havia a tendência na Educação Básica de usar novos métodos para estimular os alunos. Durante meus anos de experiência com o Ensino Superior, é notório que os estudantes mudaram. Eles ficaram mais ativos e independentes. Estão mais preparados para assumir a responsabilidade de seu aprendizado e tomar decisões sobre o que eles querem aprender. Ademais, o domínio deles de uma língua estrangeira melhorou, o que certamente é um resultado de jogos de computadores e outras aplicações que requerem uma outra língua que não o finlandês.

InfoGeekie: Uma das críticas referente à queda da Finlândia no PISA está relacionada com o acesso à tecnologia pelos jovens, em especial pelos garotos que apresentaram diminuição no nível de concentração. Dado esse efeito já analisado pelas autoridades da Finlândia, na sua opinião, a reforma curricular atacou o ponto certo ao colocar as Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs) como uma das sete competências transversais que balizam a educação finlandesa?

Mertanen: Nós vivemos em uma sociedade na qual as crianças nascem já em contato com celulares, com a internet e com todos os tipos de mídia disponíveis. A questão é ensinar o estudante a como usar os dispositivos e os meios digitais de uma forma que produza valor para o processo de aprendizagem e seus resultados. O foco deve mudar de “onde devemos usar as TICs” para “como e em quais situações os benefícios das novas tecnologias podem ser melhor exploradas”.

É verdade que os nossos meninos, na Finlândia, não se sentem tão felizes na escola como nossas garotas. No entanto, eu não acredito que a situação poderia ser melhorada ao negar a eles o uso de equipamentos digitais. Ao invés disso, eu acho que os meninos estavam acostumados a usar esses dispositivos fora da escola, sendo assim, a solução poderia ser descobrir como esses equipamentos podem colaborar com o aprendizado.

InfoGeekie: Apesar de a Educação finlandesa ser modelo mundial de sucesso, só recentemente essa questão da tecnologia foi incluída em uma reforma curricular ou já haviam leis e outros documentos oficiais incentivando o uso de tecnologias e/ou desenvolvimento de competências digitais nos estudantes?

Mertanen: É fato que a vida de um cidadão ativo requer o domínio das Tecnologias da Comunicação e Informação (TICs). É extremamente importante educar a geração mais nova para que ela seja capaz de viver em uma sociedade digital. Esse objetivo já havia sido compreendido antes da reforma do currículo. Um dos objetivos da reforma é ter certeza que o nível das habilidades com as TICs está se aprofundando com a nova geração já que ela é facilmente limitada ao conhecimento superficial com o uso de jogos de computador e outros aplicativos disponíveis.

Por outro lado, a força das escolas finlandesas está em seu objetivo de prover oportunidades iguais para todos. No caso da digitalização, isso significa que nós temos que educar nossos educadores para garantir que eles tenham atualizado seus conhecimentos sobre o uso das TICs e estejam aptos a ensinar os estudantes na escola.

A tecnologia evoluiu de forma incrivelmente rápida e as novas formas de incluir ela na educação estão constantemente sendo trazidas para o mercado. Na situação atual, foi observado que as habilidades dos professores precisam se atualizar para providenciar a almejada igualdade de oportunidades para todos e todas.

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InfoGeekie: Pensando em seu tema no GEduc 2019, “Formando alunos inovadores”, gostaria de saber como a questão da inovação no ambiente escolar evoluiu nas últimas décadas com o advento da internet. Quais foram as principais transformações no contexto escolar finlandês com essas novas tecnologias desde a década de 1980 ou 1990?

Mertanen: A estratégia finlandesa de inovação foi lançada no ano de 2008. Ela deu total responsabilidade para as universidades de ciências aplicadas, já que são elas que estão educando os futuros profissionais para o mercado. Esse foi o ponto de partida, em minha universidade, para começarmos a focar fortemente no desenvolvimento de competências inovadoras.

A rede mundial de computadores se tornou acessível para as pessoas em suas casas por volta do final da década de 1990. Desde então, o uso da internet se tornou essencial em diferentes aplicações necessárias para o dia a dia. É extremamente importante que as escolas forneçam uma educação que permita lidar com a vida cotidiana.

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