Cesar Callegari, presidente da Comissão de Elaboração da Base Nacional Comum Curricular, conversou com a Geekie e falou sobre as transformações da BNCC do Ensino Fundamental e da Educação Infantil no cotidiano das escolas brasileiras. Confira esse bate-papo!
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) da Educação Infantil e do Ensino Fundamental foi homologada pelo MEC em dezembro de 2017. Segundo o site oficial da Base Nacional Comum Curricular, “a Base deve nortear os currículos dos sistemas e redes de ensino das Unidades Federativas, como também as propostas pedagógicas de todas as escolas públicas e privadas de Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio, em todo o Brasil”.
Com esse documento, muita coisa irá mudar nas escolas brasileiras, públicas e privadas. Para entender melhor essas novidades, conversamos com Cesar Callegari, também presidente do Instituto Brasileiro de Sociologia Aplicada – IBSA.
Escolas, professores, sistemas de ensino, livros didáticos e avaliações em larga escala serão impactados pela BNCC do Ensino Fundamental e da Educação Infantil
A primeira dúvida que fica sobre esse assunto é o prazo: em quanto tempo a BNCC deve ser implementada? “A Resolução CNE/CP nº 2, de dezembro de 2017 estabelece dois anos para que os currículos das escolas públicas e privadas estejam alinhados aos dispositivos da Base. Há também um parágrafo que diz que esse trabalho de alinhamento preferencialmente deve acontecer até o início de 2019. Portanto, temos que acelerar para que, durante o ano de 2018 e até o começo de 2019, já tenhamos a Base presente nas escolas brasileiras”, fala Callegari.
Durante esse período, segundo Callegari, “o conteúdo da Base deverá ser conhecido e incorporado às propostas curriculares, planos de aula e estratégias de cada escola. Devem ser propostos alinhamentos, sempre respeitando a autonomia das escolas e dos sistemas de ensino”.
Mais de 2 milhões de professores que atuam na Educação Básica também serão impactados fortemente pela Base, tanto em sua formação inicial quanto na formação continuada. Callegari diz que “teremos revisão de diretrizes curriculares de licenciaturas, incluindo a licenciatura em pedagogia. Essas diretrizes serão revisadas levando em consideração a Base. Além disso, o processo de recrutamento, seleção e admissão de professores para a área pública e privada, a partir de agora, começa a ter como referência a BNCC”.
Outra grande área que sentirá alterações são os sistemas de ensino: “é importante lembrar que a Base não é currículo e sim um conjunto de referências que deve ser obrigatoriamente observado na revisão do sistema de ensino”, compartilha Callegari.
Leia mais: Afinal, por que ter uma Base Nacional Curricular Comum não significa ter um único currículo?
A produção de livros didáticos também passará por mudanças. “A partir de agora, os produtores e editores de recursos didáticos devem fazer trabalhos de revisão para que estejam referenciados na BNCC. A produção de novos livros e materiais didáticos devem levar em consideração a Base”, expõe Callegari.
E, dentre tantas esferas da educação impactados, não poderíamos deixar de lado as avaliações de larga escala, como ENEM, Prova Brasil e Prova Brasileira do Final do Ciclo de Alfabetização, que também sofrerão mudanças. A Base passará a ser seguida como referência por esses grandes exames. Além disso, procedimentos de avaliação que são elaborados pelas escolas particulares, que não participam de exames de larga escola, também começarão a ser alinhados pela BNCC.
Novidades da BNCC do Ensino Fundamental e da Educação Infantil: ensino religioso e protagonismo do aluno
Uma das muitas mudanças da Base é o ensino religioso nas escolas. Hoje, a legislação brasileira vigente já estabelece que essa disciplina no Ensino Fundamental das escolas públicas é obrigatório e de frequência facultativa. Agora, o ensino religioso passa a fazer parte da BNCC do Ensino Fundamental e da Educação Infantil. Callegari revela o motivo: “nós tomamos a decisão de incluir o ensino religioso na BNCC principalmente depois da decisão do Supremo Tribunal Federal, que definiu que o ensino religioso nas escolas públicas brasileiras pode ter natureza confessional, ou seja, vinculado às diversas religiões. Por conta dessa decisão, estabelecemos parâmetros para que o ensino religioso pudesse ser ofertado na escola pública”.
O conteúdo é diferente do que é esperado pelo grande público quando trata-se do assunto “ensino religioso”: “diz mais respeito à sociologia das religiões, respeitando, com isso, o caráter laico do Estado e da educação brasileira. Assim, respeita-se o pluralismo de opções que as famílias brasileiras tem, inclusive a opção por nenhuma religião”, afirma Callegari.
E como implementar isso nas escolas e nos materiais didáticos? “Se o ensino religioso será área de conhecimento ou se vai se integrar a área de ciências humanas, cabe às escolas e aos sistemas de ensino. Pode ser feito de maneira interdisciplinar, ou pode ser também uma tematização para ser abordada por projetos… A orientação da Base vai servir de apoio para essa decisão”, aconselha Callegari.
Outra alteração diz respeito ao protagonismo do aluno do Ensino Fundamental. “Nós acreditamos que a maneira mais correta e atual de tratar o processo de ensino e aprendizagem está mais ligada a uma visão interdisciplinar do que dessa forma totalmente ‘em caixinhas’. Nos textos que acompanham a BNCC, há uma indicação clara que nós temos que superar a visão fragmentada de uma educação organizada por disciplinas. Uma das maneiras de vencer isso é a educação baseada em projetos”, demonstra Callegari.
“Temos que assumir que estudantes vão aprender mais e melhor se forem protagonistas. Aliás, é essencial que os jovens tenham, durante o processo escolar, desenvolvido suas habilidades e seus conhecimentos no que diz respeito à criação autoral compartilhada e ao processo colaborativo. É necessário que possam sempre desenvolver programas e projetos significativos para si próprios e que tenham perspectiva na realidade futura ou imediata. A Base traz elementos disso, mas é importante que as escolas tomem as decisões no sentido de garantir esse protagonismo desde a infância, mas sobretudo na juventude”, comunica Callegari.
E a BNCC do Ensino Médio?
A Base do Ensino Médio está sendo elaborada pelo Ministério da Educação (MEC) como proposta original. O Conselho Nacional de Educação (CNE) irá trabalhar sob a BNCC do Ensino Médio assim que o MEC apresentar sua proposta.
E os próximos passos a partir disso? Callegari diz que “o CNE irá organizar audiências públicas e debates pelo Brasil inteiro, pedindo contribuições de professores, organizações universitárias, de pesquisa, organizações sem fins lucrativos… Iremos fazer o mesmo debate e construção que fizemos para a BNCC do Ensino Fundamental e da Educação Infantil. Isso tudo leva tempo, pois o trabalho deve ser feito com cuidado e democraticamente”.
O MEC fala em apresentar essa proposta até o final do mês de março de 2018. E é a partir da aprovação da BNCC do Ensino Médio que a Reforma começa a valer. “Caso a Base do Ensino Médio seja aprovada no final desse ano, os sistemas de ensino e Secretarias terão um ano, ou seja, até o final do ano que vem, para fazerem suas orientações específicas. Depois disso, as escolas terão mais um ano para fazerem estudos e alinharem suas propostas pedagógicas. A Reforma do Ensino Médio, no melhor dos tempos, chegará nas escolas em 2020 ou 2021”, fala Callegari.
Próximos passos
“A Base veio do diagnóstico de que a educação é fragmentária, e tem levado a desigualdades educacionais muito sérias. Na medida em que se fala de direitos e objetivos de aprendizagem para toda criança e jovem brasileiro, automaticamente se enunciam deveres do jovem, do estado e da família em matéria de educação”, expressa Callegari.
“A BNCC do Ensino Fundamental e da Educação Infantil é um passo importante para melhorar a educação brasileira, mas não é suficiente – deve ser acompanhada de várias outras medidas” – Cesar Callegari
“Temos que investir mais em educação – mais dinheiro e mais energia. Sem esforço social maior, a BNCC do Ensino Fundamental e da Educação Infantil não passaria somente de um conjunto de intenções. Para que elas sejam colocadas em prática, é necessária uma mobilização muito grande de todos os agentes envolvidos na área educacional”, articula Callegari.
Quer saber mais sobre o tema? Callegari falará pessoalmente no painel “A BNCC – os desafios curriculares e educacionais no ensino fundamental”, no XVI Congresso Brasileiro de Gestão Educacional, que acontece nos dias 21, 22 e 23 de março no Hotel Maksoud Plaza, em São Paulo/SP. Não deixe de participar você também! Inscreva-se pelo site clicando aqui.
* Cesar Callegari é presidente da Comissão de Elaboração da Base Nacional Comum Curricular; Presidente do Instituto Brasileiro de Sociologia Aplicada – IBSA e membro do Conselho Nacional de Educação, onde é Presidente da Comissão de Elaboração da Base Nacional Comum Curricular e Relator da Comissão de Formação de Professores. Foi Diretor da Faculdade SESI-SP de Educação, Secretário Municipal de Educação de São Paulo, Secretário de Educação Básica do Ministério da Educação, Diretor de Operações do SESI-SP e membro do Conselho de Governança do Movimento Todos pela Educação. Na área científica, foi Secretário Executivo do Ministério da Ciência e Tecnologia e Presidente do Conselho da FINEP. Foi Deputado Estadual por dois mandatos e é autor de vários trabalhos publicados sobre educação pública.