Estamos dispostos a fazer a mudança de que a educação precisa?

Colunas
Nativos digitais - Marc Prensky

Nossa colunista Julci Rocha conta um pouco sobre a conferência de Marc Prensky, educador e escritor, no Encontro Internacional Educação 360 – Tecnologia. Confira!

Ouvir as reflexões de Marc Prensky no Rio de Janeiro no dia 07 de agosto resgata muito do que perdemos ao longo do caminho quando se trata de discutir inovação e tecnologia. Nesse texto, busquei sintetizar as principais ideias do autor, que se funde com as minhas próprias convicções a respeito do tema. Me baseei em suas experiências e em seu material de apoio, que ele gentilmente me cedeu para tal finalidade.
O escritor, criador dos termos “nativos digitais” e “imigrantes digitais”, colocou os pingos nos “is” a respeito das recorrentes discussões sobre integração das tecnologias na educação, redirecionando o enfoque para uma questão muito mais profunda e fundamental: qual é a função social da educação?
Marc Prensky traz luz à questão, deixando clara a importância da educação para tornar o mundo um lugar melhor. Para ele, toda e qualquer decisão a respeito da transformação do atual modelo deve estar ancorada nessa premissa. Mas pelo que temos observado, a educação atual tem outras demandas prioritárias que se sobrepõem a essa, como o sucesso no atual sistema, o conhecimento de determinados assuntos e o acesso ao ensino superior, tudo orquestrado pelas notas e rankings.
Nesse sentido, é importante refletirmos sobre e o quanto a educação está conectada com a realidade atual. Será que estamos sendo capazes de desenvolver pessoas para os desafios contemporâneos? Sabemos que a resposta é não. O que muda na abordagem de Prensky é a ordem das coisas.  Antes de pensar na escola que queremos, precisamos desenvolver uma nova perspectiva sobre o mundo, nos desprendendo do que estamos vendo e lançando nosso olhar para o futuro. Se as coisas mudaram tanto nos últimos 20 anos, como será que as coisas serão daqui a 20 anos? E se o mundo mudou tanto, como as crianças podem ser as mesmas de 20 anos atrás? Portanto, o mais importante e fundamental é: como podemos repensar a educação, de forma a empoderar as crianças com competências adequadas para o amanhã?
Obviamente, a questão não é fácil. Afinal, estamos lidando com algo que ainda não existe. Mas o presente nos dá algumas pistas dos caminhos que vamos seguir nos próximos anos. Prensky chama a atenção para a centralidade da tecnologia nesse processo (só aqui ela entra no debate!), listando uma série de termos que trazem essa em si a dimensão da mudança: biologia sintética, inteligência artificial, segurança e privacidade, impressão 3D, realidade virtual, nanotecnologia, big data, crowd sourcing… a lista é enorme. Essas coisas farão cada vez mais parte do cotidiano das pessoas.
Como são nossas crianças do presente? Segundo o escritor, além de muito mais conectadas com tudo isso do que nós, elas são muito mais autoconfiantes do que nós. Essa geração, que está o tempo todo em rede, tem a possibilidade de colaborar muito mais do que nós tivemos no passado, de diferentes formas e cada vez melhor. Para ilustrar tal poder, Prensky lista algumas experiências educacionais inovadoras e coerentes com sua visão de educação, que ele faz questão de dizer que são apenas o começo: crianças mapeando o cérebro com um jogo, customizando próteses com impressoras 3D e criando aplicativos que visam reduzir a violência doméstica, bullying e o abuso policial.
O conferencista é categórico em dizer que as crianças dessa geração são subestimadas e que mudanças incrementais não são mais suficientes para dar conta do nosso desafio, uma vez que a função social da escola, que é o mais importante, permanece inalterada, como já citamos
No modelo da escola tradicional, apostamos que melhorar as pessoas intelectualmente poderia resultar em um mundo melhor, conforme o diagrama a seguir:



No modelo de escola defendido por Prensky, o trabalho gira em torno de problemas reais, em que as crianças exercitam continuamente o pensar sobre a realidade e o resolver problemas. Para ele, tal proposta retira da educação o enfoque nas conquistas individuais e desloca para a busca de um mundo melhor para todos.



Se queremos “fazer acontecer” essa nova educação, é fundamental repensar nossos modelos curriculares, ou seja, aquilo que de fato queremos que os alunos aprendam. Não se trata de saber assuntos ou temas, mas de adquirir habilidades e competências relacionadas ao pensar, agir e relacionar-se. Para demonstrar o quanto estamos longe disso, basta analisar nossos planejamentos e diretrizes curriculares para identificar o quanto eles são limitados em termos de habilidades e competências para além do “pensar”. Embora seja falado muito disso na educação, ainda se faz muito pouco. O pensar e o agir precisam caminhar juntos.
Diante de uma educação absolutamente diferente da que temos hoje, qual seria o papel do professor? Em uma prática voltada à solução de problemas, um currículo voltado ao desenvolvimento de competências e habilidades, o professor não pode ser mais aquele que “traz conteúdo” para o aluno. Nessa nova perspectiva de educação, o professor é aquele que aconselha e apoia os estudantes no desenvolvimento das competências necessárias. Para Prensky, os professores precisam acreditar no potencial que os estudantes têm de transformar o mundo. Na verdade, eles já estão começando a promover essa transformação – por isso, nosso papel é apoiá-los a chegarem ainda mais longe.
Por fim, chegamos à temática do encontro. Como a tecnologia se relaciona com tudo isso? Para o escritor, a escola ainda utiliza a tecnologia para promover experiências muito triviais, como calcular, buscar e pesquisar, assistir e ler. Ou seja, fazemos as mesmas coisas, com recursos diferentes. Nada mais coerente, uma vez que a função social da escola permanece inalterada.
Diante dessa nova educação, a tecnologia precisa estar a serviço de outras experiências, como a conexão em tempo real, criação de aplicativos úteis, realização de análises complexas, criação de simulações, produção de vídeos, robótica e programação.
Essa nova educação já começou. Podemos encontrar seus indícios em muitas experiências inspiradoras. O que precisamos agora é nos convencer de que não há outra forma de alcançar tais resultados se não for transformando radicalmente a escola tradicional e, para isso, precisamos experimentar essas novas formas. Precisamos ajudar os familiares a entender esse novo contexto. Precisamos estar conectados com os problemas locais e globais. Precisamos acreditar que nossos estudantes são capazes de fazer essa mudança. Acima de tudo, precisamos compreender que nós, educadores, fazemos parte dessa mudança.
¹  Algumas reportagens sobre a conferência de Marc Prensky podem ser encontradas em https://oglobo.globo.com/sociedade/educacao/a-escola-deve-ser-lugar-de-encontrar-solucoes-para-mundo-real-diz-educador-21596775 ou https://oglobo.globo.com/sociedade/educacao/educacao-360-por-favor-pense-diferente-pede-educador-que-criou-termo-nativo-digital-21679327
² Ao final de sua conferência, Marc Prensky disponibilizou seu e-mail (marcprensky@gmail.com), para quem desejasse receber a apresentação, com algumas referências, que compartilho com vocês (todas em inglês): http://marcprensky.com, http://bettertheirworld.org, http://btwdatabase.org e http://global-future-education.org/. O livro que inspirou sua conferência, “Education to Better Their World: Unleashing the Power of 21st-Century Kids”, ainda sem versão em português, pode ser encontrado em: https://www.tcpress.com/education-to-better-their-world-9780807757901
³  Os diagramas são de tradução livre da autora deste artigo, baseados nos slides utilizados por Prensky em sua conferência.
* Julci Rocha é Mestre em Educação. É especialista em gestão educacional, design educacional e educação inovadora. Licenciada em Letras pela USP. Pesquisadora da área de inovações em educação envolvendo tecnologias digitais, metodologias ativas. Mediadora de processos colaborativos, como o design thinking, tem experiência em elaboração, coordenação e desenvolvimento de programas inovadores em redes públicas e privadas, atuando na área há mais de 10 anos, com vivência em instituições importantes como o Instituto Paulo Freire e Fundação Lemann. Hoje é consultora educacional da Microsoft e CoFundadora da Tríade Educacional. Contato: julci@triade.me.

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