Já ouviu falar em deep learning? No artigo de hoje, Debora Garcia introduz o tema e explica como a aprendizagem profunda pode ser inovativa para a educação. Leia:
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Abro esse texto com uma provocação: quantas vezes você se perguntou qual foi a razão de ter aprendido certos conteúdos no seus tempos de escola se sua aplicabilidade na vida é tão pouca ou, muitas vezes, inexistente? Eu, por exemplo, que acabei enveredando pelo campo das Humanas, sempre me questionei se as horas infindáveis aprendendo conceitos matemáticos como trigonometria e polinômios iriam de fato me servir para alguma coisa concreta, já que meu sonho sempre foi trabalhar com comunicação de massa, produção de textos e arte. Essa é uma discussão constante dos educadores e estudiosos do processo de aprendizagem. O quê ensinar. E como ensinar. Ah, claro. Para quê ensinar certos conteúdos. Cada vez mais fica patente que vivemos num mundo contemporâneo inundado de novos conhecimentos e novos desafios. Problemas novos surgem numa velocidade acelerada e, para tanto, precisam de respostas igualmente novas. Não dá pra usar velhos esquemas e engrenagens para dar conta de novas encrencas, idiossincrasias e percalços da vida atribulada com a qual o século XXI nos brinda.
E isso provoca uma verdadeira revolução na educação. Ou, ao menos, deveria provocar. A escola passa a se questionar mais e mais sobre seu papel, sobre suas metodologias de ensino e sobre onde quer chegar, considerando as habilidades e competências que precisa ajudar a promover em seus alunos. Nesse emaranhado de questões, aparece com força o que se intitula “aprendizagem profunda”. Do inglês: deep learning. Mas o que exatamente é isso? Bem, é um termo que tem seu nascimento no campo da inteligência artificial, onde máquinas cada vez mais aprendem a interpretar de forma profunda as informações a que têm acesso. Esse mindset correlacionado ao mundo da educação significa a intenção de aplicar conhecimentos adquiridos em circunstâncias muito palpáveis do mundo real, orientando-se para a resolução de problemas. Em outras palavras, usar menos gráficos, planilhas, provas de múltipla escolha e respostas pré-montadas e colocar mais a mão na massa, verificando se aquilo que havia sido aprendido/memorizado é o que consegue de fato se converter em solução para questões muito concretas que nos rodeiam.
Teórico demais? Vou dar um exemplo. Uma determinada região da cidade do Rio de Janeiro é cercada por comunidades de baixa renda. As crianças da comunidade apresentam problemas nutricionais e produtos saudáveis como legumes, frutas e verduras na região são insuficientes para garantir o consumo. Belo problema concreto para ser solucionado com uma estratégia de aprendizagem profunda voltada para os alunos das escolas do entorno. Dentro desse escopo, aprender de forma intensa e imersiva tem a ver, logo de cara, com uma busca de excelência na aquisição de conteúdos considerados “acadêmicos”, porém sem abdicar do desenvolvimento do pensamento crítico. Além disso, promover constantemente a habilidade de trabalhar cooperativamente e expressar-se bem tanto na escrita como oralmente. Esses aspectos todos não podem ser desconsiderados. Porém, a experiência de aprendizagem imersiva/profunda vai bem mais além do que isso. Pressupõe, sobretudo, “aprender a aprender”. E, voltando ao exemplo do nosso problema a ser resolvido, tem a ver com aplicar o que é sabido, adaptar o que se conhece a situações reais. Considerando a situação exposta anteriormente, os alunos poderiam rever seus conhecimentos em Biologia/Botânica, sistematizar um estudo topográfico sobre alguma comunidade escolhida, ver espaços livres para o plantio de uma horta, articular com o poder público e lideranças locais a possibilidade de implantação de uma horta comunitária e finalmente pôr a mão na massa, liderando o plantio das hortaliças, a irrigação, a divisão do que for colhido e a variedade vitamínica esperada. É o educador americano John Dewey, um dos precursores do conceito de deep learning, que sintetizou a máxima dessa estratégia de aprendizagem: “saber como viver”, experienciando o conteúdo e cotejando-o permanentemente com o currículo.
Sabemos que o mundo do trabalho contemporâneo requer habilidades cada vez mais complexas que vão além da mera repetição de tarefas e modelos pré-fabricados de pensamento. Ele demanda, sobretudo, habilidades essenciais como colaboração, comunicação, pensamento crítico e criatividade. Precisamos cada vez mais saber fazer com excelência aquilo que o computador (ainda) não consegue fazer. E pra que isso se efetive de fato, somente uma aprendizagem profunda desses conteúdos pode dar conta.
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*DEBORA GARCIA É PEDAGOGA, MESTRE EM EDUCAÇÃO PELA UFF, FULBRIGHT SCHOLAR PELA GEORGIA STATE UNIVERSITY, GA, E ESPECIALISTA EM GESTÃO DO CONHECIMENTO PELA COPPE-UFRJ. É GERENTE DE CONTEÚDO DO CANAL FUTURA E UMA DAS AUTORAS DO LIVRO “DESTINO: EDUCAÇÃO – ESCOLAS INOVADORAS”, PUBLICADO PELA FUNDAÇÃO SANTILLANA/ED. MODERNA. EM 2017, EM CONJUNTO COM DANIELA KOPSCH E DANIELA BELMIRO, IDEALIZOU E CRIOU O BLOG “3DEVI”, UM ESPAÇO PARA CONTOS, ENSAIOS E REFLEXÕES DA MULHER CONTEMPORÂNEA.
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