Claudio Sassaki na TRIP: A sutil arte de educar meninas e meninos

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igualdade de genero

Em mais uma coluna para a TRIP Transformadores, Claudio Sassaki, cofundador da Geekie e pai de dois meninos e de duas meninas, fala sobre a importância de uma educação que não se limite ao gênero.

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A sutil arte de educar meninas e meninos

Por Claudio Sassaki

Yasmin, Luana, Vitor e Lucca. Como pai de meninos e meninas é impossível não pensar em como educar minhas filhas em uma sociedade na qual o preconceito não é óbvio ou posto às claras. Diante disso, eu tenho feito um esforço consciente em trazer mais referências de protagonismo feminino via, por exemplo, livros com histórias de mulheres empreendedoras e pioneiras em diferentes áreas do conhecimento; mulheres que fizeram história e deixaram legados inspiradores. Além da literatura, o cinema está muito presente nessa jornada educacional. Juntos, assistimos ao filme Estrelas além do tempo (Hidden Figures) sobre três matemáticas negras que, além de provarem sua competência todos os dias, precisam superar o preconceito para conseguir ascender na hierarquia na NASA em plena guerra fria. De maneira orgânica, trazemos esses temas para conversas em família, geralmente à mesa de jantar, fazendo uma conexão com o que chamamos de “objeto de aprendizagem” e abordando os fatos alinhados a valores que quero transmitir.

No entanto, ao pensar em como educar meninos e meninas me rendo a um conceito maior, que independe do gênero. Para os pais, embora o caminho mais fácil e eficiente seja o da padronização – ou seja, tratar os nossos filhos de forma equânime – penso e me norteio pela sutileza das demandas de cada criança e do momento de vida delas. Yasmin tem 11 anos e é dotada de um senso crítico e profundidade que já revelam a entrada na pré-adolescência. Há uma clara influência do grupo na decisão individual; um pensar na popularidade. Esse é um momento no qual nitidamente a minha presença se faz mais necessária. Luana, aos nove anos, é mais criança – e as demandas estão associadas ao brincar; há nela uma leveza própria da idade. Yasmin é das letras; do sentimento. Luana da matemática e tem uma comunicação mais circular. São formas diferentes de ver o mundo e de interagir com ele.

Lucca ainda é muito pequeno e tem a forma de comunicação própria dos bebês. Aos quatro anos, Vitor é muito comunicativo e tem muita clareza dos sentimentos, apesar da pouca idade. Tenho em casa, quatro universos distintos em momentos diferentes de crescimento e descoberta; pequenas pessoas que se encontram e trocam experiências no que chamo Projeto Jantar em Família.

Hoje, toda a tecnologia e informação disponíveis – seja no celular ou no computador – impactam nas relações, sobretudo familiares. Se não houver um filtro de valores da família, os filhos vão adotar outros critérios e formas de enxergar o mundo. Nesse jantar, adotamos o ritual de dividir a vida de cada um de nós. Menos o “como foi o seu dia”, mais as questões profundas que são abordadas com muita autenticidade. As crianças percebem essa verdade e se abrem de maneira transparente. É um esforço diário criar esse ambiente de confiança; algo a ser feito agora. Não é quando os filhos chegarem aos 15 anos que essa conversa deve se estabelecer. É um hábito, uma cultura, um valor da família que deve ser nutrido desde sempre. Vitor, por exemplo, tem esse momento de dividir antes de dormir, quando paro para contar histórias. Cabe aos pais estar com o olhar atento para essas sutilezas. Eu acredito nessa proximidade para entender o momento de cada um. É uma construção diária – não é algo que se cria do nada.

Ao mesmo tempo, esse olhar antecede o gênero e o incorpora de maneira muito particular. E, quando penso nessa questão, o meu sonho é que as minhas filhas tenham igualdade de condições. Eu não sei o que cada uma quer fazer da vida, mas eu gostaria que elas estivessem em um lugar no qual as oportunidades não sejam limitadas ao fato de serem mulheres. Existe desigualdade, existe um preconceito velado que tem por alicerce um modelo educacional no qual meninos e meninas são tratados de maneiras diferentes. E temos que romper esse ciclo de desigualdade porque, no ritmo atual, homens e mulheres terão oportunidades, participação e salários iguais daqui a 170 anos – de acordo com estimativa do Fórum Econômico Mundial.

Quero que elas tenham poder de escolha! Que o gênero não seja uma limitação. Óbvio que o meu olhar se volta para o sonho desse lugar, mas há – da minha parte – um questionamento forte sobre a contribuição de cada um de nós para a criação desse ambiente; de conseguir ajudar na construção de maneira ativa e cotidiana.

Não ouso – ou pretendo – me apoderar do “lugar de fala” feminino. Mas me ocorre que a construção dessa sociedade mais igualitária passa por um questionamento diário de todos nós. Das reflexões mais óbvias, mas que continuam necessárias como, por exemplo, o ato de dar bonecas para meninas e lego para meninos, até atos mais inconscientes como elogiar as meninas por serem “lindas” e os meninos por serem “corajosos”. A minha principal preocupação é que a falta de conscientização leve as minhas filhas a aceitar passivamente essa condição desigual. Ou que acreditem que é assim mesmo: que os líderes de uma organização sejam mais homens do que mulheres; que é natural ter um salário menor do que os homens; que em uma reunião é normal serem menos ouvidas. Se um homem fala mais forte no ambiente corporativo é porque é confiante; se uma mulher usar o mesmo tom assertivo… é mal-amada.

Como pai de meninos e meninas vejo os dois lados – e tenho dois trabalhos! De um lado, alertar as meninas a respeito dessas questões e entender como se sentem a respeito disso. Dialogar e prepará-las para combater qualquer tratamento desigual. E, com os meninos, disseminar valores sobre o respeito.

Como quem pensa educação, credito à escola parte da responsabilidade de propiciar essa transformação. Não é possível falar sobre educação para o século XXI sem considerar a importância de discussões sobre a igualdade de gênero e o desenvolvimento de habilidades – como argumentação crítica, pensamento lógico, resolução de problemas – sobretudo envolvendo meninas. São elas que sofrem com os vieses da sociedade desde que nascem.

As expectativas de aprendizagem compõem uma outra face do sexismo. Enquanto há ausência de mulheres nas áreas de exatas – já que as garotas não são estimuladas a desenvolver o raciocínio lógico e matemático – os meninos são constantemente preparados para assumir e incorporar essas habilidades. E nada há de natural nesse padrão. O professor de Stanford Paulo Blikstein defende que homens e mulheres são igualmente capazes de aprender. A escolha por tolher a participação feminina na área de exatas é uma decisão da família que, ao longo do processo de escolarização, separa as profissões “de homens” e “de mulheres”. Na fala dele, uma fictícia falta de capacidade é atribuída às mulheres quando o tema versa por áreas de exatas.

Muitas escolas acolhem esse modelo equivocado baseado em uma espécie de acordo tácito. As meninas são incentivadas a ter um comportamento reservado e os garotos a ter mais iniciativa. Como resultado, temos dados como o revelado pela pesquisa conduzida pela ÉNóis – agência de jornalismo que fez um levantamento com mais de 2 mil jovens de 14 a 24 anos, sendo a maioria estudantes da Educação Básica. De acordo com o mapeamento, 77% das meninas apontam que o machismo impacta diretamente no próprio desenvolvimento.

Já na Geekie, muito puxado pelo protagonismo das próprias mulheres que trabalham aqui, temos empreendido um esforço consciente em recrutar mais mulheres para ocupar posições em engenharia, programação e desenvolvimento de produtos, por exemplo. É claro que as contratações são feitas com base no mérito e competência, mas o simples ato de divulgar as oportunidades de trabalho em grupos femininos nos levou de um cenário onde contávamos com apenas uma desenvolvedora para uma realidade onde hoje elas representam 30% do nosso time de programação.

Acredito muito no papel do empreendedorismo na construção de uma nova sociedade. E, gosto de pensar que na Geekie estamos criando um ambiente de trabalho no qual as mulheres têm iguais oportunidades. É o que quero para todas as filhas, não só as minhas.

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A matéria foi publicada originalmente no Portal TRIP Transformadores e pode ser lida aqui.
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